“Atividades simples, como abotoar uma camisa, ficavam progressivamente mais difíceis.” O biólogo, engenheiro ambiental e sanitarista Mateus Rocha Merched, de 34 anos, viu o rumo da sua vida mudar este ano ao ser diagnosticado com Esclerose lateral amiotrófica (ELA). Sonhos, planos, planejamentos de longo prazo foram substituídos por ações imediatadas e, hoje, luta pela conscientização da doença.
Mateus divide o tempo entre uma pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV) cujo objetivo é desenvolver terapias efetivas e o projeto “Falando da E.L.A”, que tem como missão promover a visibilidade da doença.
O biólogo nasceu em Montes Claros, no Norte de Minas, e foi para Belo Horizonte com três anos. Ele conta que teve todo o ensino na rede pública, desde o ensino fundamental até o superior e, hoje, é licenciado em Ciências Biológicas (UFMG) e bacharel em Engenharia Ambiental e Sanitária (CEFET-MG). Por 10 anos, atuou como professor particular. “Sempre gostei de sair com os amigos, pegar uma cachoeira, malhar para desestressar e dar e provocar boas risadas! Sempre fui o ‘palhaço’ da turma, comunicativo e criativo”, disse.
No início de 2022, ele teve os primeiros sintomas: movimentos musculares pequenos e involuntários no braço esquerdo. “Como era localizado, não me preocupei, porém, na metade do ano, comecei a ter atrofia dos músculos da mão esquerda”, lembrou. Atividades simples se tornaram um desafio. “Comecei a investigar o que estava acontecendo, indo a médicos, fazendo uma bateria de exames de imagem, de sangue e de eletroneuromiografia, até o aterrorizante diagnóstico: Esclerose Lateral Amiotrófica”, disse.
A angústia e o medo tomaram conta. “De forma que jamais tinha sentido antes, chegava a doer no peito”, acrescentou. “Minha vida se transformou; o plano de uma vida ‘normal’ se foi. Os 50 anos de vida que eu teoricamente ainda teria foram reduzidos a uma expectativa de vida de 2 a 5 anos”, conta. “Passei e ainda passo por todas as fases do luto. Digo que ‘ainda passo’, pois a doença é progressiva, ficando cada vez mais difícil com perdas e perdas consecutivas”, acrescentou.
Com a piora da marcha e evolução dos sintomas, ele teve que adaptar rápido a uma nova rotina. “Como a doença é metabólica e catabólica, ocorre bastante fadiga, ficando mais cansado que o normal em atividades corriqueiras. Hoje fico mais em casa no computador, por ter bastante dificuldade na marcha e desequilíbrio. Desequilíbrio esse que culminou em uma fratura em minha fíbula, próximo ao meu calcanhar direito, resultando em 6 pinos para corrigir”, disse.
Do ponto de vista emocional, ele conta que tenta manter o bom humor e ter ações assertivas para o tratamento.
Projetos
Através da busca incessante e incansável pelas melhores terapias e profissionais, ele luta para prolongar a vida ao máximo possível, para que possa continuar sendo o porta-voz do seu grande propósito. “Quero divulgar a esclerose lateral amiotrófica em nível nacional, a fim de revolucionar a visibilidade e o combate à doença, de modo a contribuir para o incentivo do desenvolvimento de tratamentos efetivos e soluções a essa enfermidade”, disse.
O projeto “Falando da E.L.A” foi criado no ano passado por Mateus. Através de vídeos, relatos reais e informações relevantes e atualizadas sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica, ele afirma que deseja incentivar a busca de soluções “significativas para essa terrível enfermidade”, conta.
Em três meses, a página do Instagram conta com 2 mil seguidores. “Minha meta é que até o meio do ano que vem esse número chegue a pelo menos 20.000.”
Além disso, também participa como pesquisador na rede de pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV) que deve ser formalizada em janeiro. “Este projeto tem por objetivo desenvolver terapias efetivas que mudem o percurso inevitável da doença”, disse. Atualmente, segundo Mateus, em nível mundial, há poucas opções de tratamentos aprovados para E.L.A, e nenhum tem a eficácia que altere significativamente o percurso da doença.
Infelizmente a palavra sobrevida está presente nesses estudos, dando ao paciente poucos míseros meses a mais de vida. “Em termos de tratamento, no Brasil, distribuído pelo SUS, temos apenas o Riluzol, droga aprovada em 1995 pelo FDA (órgão dos EUA que regula a segurança e eficácia de novas medicações)”, explica Mateus.
No mundo existem hoje quase 100 ensaios clínicos destinados ao desenvolvimento de terapias para combater a Esclerose Lateral Amiotrófica. “Esperamos que, nos próximos anos, algo realmente eficaz surja através do olhar da ciência para salvar milhares de pessoas que morrem todos os dias por essa doença”, disse.
O que ELA
E.L.A ou Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva e acarreta em paralisia motora irreversível. Conforme informações do Ministério da Saúde, pacientes com a doença sofrem paralisia gradual e morte precoce como resultado da perda de capacidades cruciais, como falar, movimentar, engolir e até mesmo respirar.
A E.L.A é uma doença rara com incidência (medida da ocorrência de novos casos durante um período especificado em uma população em risco de ter a doença) de um a cada 50 mil casos por ano e prevalência (casos novos e casos existentes da doença) de um a cada 20 mil casos por ano.
Não há cura para E.LA. De acordo com a pasta, cerca de 25% dos pacientes sobrevivem por mais de cinco anos depois do diagnóstico. Os medicamentos e tratamentos são apenas paliativos, para ajudar a melhorar a qualidade de vida e a retardar a evolução da doença, que inevitavelmente acontecerá em algum momento.
As causas ainda não são conhecidas, no entanto, sabe-se que em cerca de 10% dos casos ela é causada por um defeito genético. “Na prática, os neurônios dos pacientes acometidos pela doença se desgastam ou morrem e já não conseguem mais mandar mensagens aos músculos”, informou o Ministério da Saúde.
O físico britânico Stephen Hawking, morto em 2018, foi um dos portadores mais conhecidos mundialmente da E.LA.
Em agosto deste ano, a doença chamou a atenção com a morte do parceiro de oito anos de Sandra Bullock, Bryan Randall, que faleceu aos 57 anos. Randall estava em tratamento há três anos contra a patologia.
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