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Imbróglio e incertezas atravessam polêmica do Aeroporto Carlos Prates a nove dias do fim das operações; saiba o que está por trás

A Infraero determinou o encerramento das operações do Aeroporto Carlos Prates até 31 de março, conforme ofício despachado na última segunda-feira; aeródromo alega não haver tempo hábil

Aeroporto Carlos Prates encerrará operações em 31 de março, segundo ofício expedido pela Infraero; concessionários lutam contra o prazo e o fim das atividades

Aluno de uma das quatro escolas de aviação do Aeroporto Carlos Prates, à região Noroeste de Belo Horizonte, o motorista de aplicativo Luan Mota, 33, calcula à ponta do lápis ter contraído uma dívida milionária com o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), hoje em torno de R$ 200 mil, para concluir a formação como piloto. O instrutor de outra instituição também instalada no aeródromo do bairro Padre Eustáquio, Thiago Gomes, 24, ainda se organiza para reunir as horas de voo necessárias para ingressar na linha aérea comercial. Piloto há três décadas, Leonardo Padrão, presidente do Aeroclube de Minas Gerais, dá manutenção em aviões em um dos hangares do aeroporto e não consegue arquitetar a possibilidade de um trabalho que não seja ali.

O trio integra um grupo com cerca de mil pessoas que têm as vidas diretamente atravessadas pelo Aeroporto Carlos Prates, prestes a ser desativado. O aeródromo está na mira da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e, segundo ofício expedido na última segunda-feira (20), terá que fechar as portas em definitivo no próximo 31 de março. Significa que cerca de 500 funcionários, entre pilotos, mecânicos e outros prestadores de serviço, deverão ser imediatamente dispensados, os alunos não terão como concluir a formação e as cerca de 120 aeronaves precisarão deixar o espaço; algumas delas, desmontadas e sem condições de decolagem.

Em meio à determinação da Infraero, prevista em portaria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) desde dezembro do ano passado, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) pediu nessa terça-feira (21) a prorrogação do prazo para desativação do aeródromo, prestes a se esgotar nos próximos nove dias. Horas depois, no fim da noite, a deputada Greyce Elias (Avante-MG) protocolou um Projeto de Lei para pedir a prorrogação do funcionamento do aeroporto por mais dois anos. Alunos das escolas de aviação e funcionários do terminal aeroportuário torcem para que o fechamento do Carlos Prates seja revisto pelas autoridades, e empresários alegam que não há para onde transferir as operações do aeroporto, segundo detalha Eber Rocha, diretor-administrativo da Vel-Air – uma das quatro escolas.

“A realidade é que não temos para onde ir. Pampulha não é uma opção. As cidades ao redor não são opções, elas não comportam o tráfego do nosso aeroporto. Não há a possibilidade de unirmos o Aeroporto Carlos Prates a qualquer outro da região”, cita.

Conforme esclarece o instrutor Thiago Gomes, o Aeroporto da Pampulha não consegue se adequar à demanda do aeródromo do Carlos Prates, e o mais próximo, o de Pará de Minas, também não comportaria a operação. “A Pampulha não comporta as aeronaves que nós temos aqui. Não tem pátio e nem hangar para todo mundo. Em Pará de Minas, o aeroporto já tem o próprio aeroclube com mais de 30 aeronaves, e que também não comporta a nossa operação. Em Confins, nós não conseguimos competir com os aviões grandes que pertencem às companhias aéreas, não é razoável”, afirma.

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Distante 85 quilômetros de Belo Horizonte, cerca de 1h30 de carro pela BR-262, o Aeroporto de Pará de Minas pode se tornar a única opção para pilotos da capital mineira com a desativação da unidade do Carlos Prates. Os gastos com combustível e a distância inviabilizariam a conclusão do curso para muitos alunos, especialmente aqueles que têm contratos firmados com FIES e com as escolas do aeródromo em BH.

“Tenho uma dívida com FIES, feita para que eu consiga me tornar piloto. Sempre trabalhei em restaurantes e hoje sou motorista de aplicativo. Eu durmo e acordo pensando no sonho de ser piloto, um sonho que só é possível para pessoas de baixa renda, como eu, com o apoio do FIES. Se as escolas fecharem, como é que vou concluir o curso para poder pagar o financiamento? O que é que eu farei com a dívida?”, desabafa Luan Mota. Questionado sobre os contratos do FIES para alunos que podem perder as matrículas com o fechamento do aeroporto, o Ministério da Educação não respondeu até a publicação da reportagem.

Recém-chegado ao Brasil, Lucas de la Hoz Assis, 19, saiu da Espanha para se matricular no curso de aviação civil em Belo Horizonte, cidade onde mora com o avô. O encerramento das operações no Carlos Prates também dificultaria a formação dele, que, segundo detalha, também precisaria optar pelas aulas em Pará de Minas. “Eu me mudei da Espanha para o Brasil para começar as aulas em setembro do ano passado. Deixei tudo lá e investi uns R$ 8 mil até agora. É muito dinheiro… Eu moro aqui do lado do aeroporto, e abandonei tudo para estar aqui, minha única opção é continuar, mas, não sei como faria para ir a Pará de Minas todos os dias. É um gasto muito grande”, relata.

As despesas com o transporte diário para o município distante 1h30 da capital também podem inviabilizar a formação de Rian de Oliveira, 19. “Quando eu recebi a notícia sobre o fechamento, fiquei muito preocupado. Como é que vou tirar minha carteira agora? É um investimento muito alto. Venho me organizando há muito tempo porque é um sonho de infância, e muitos colegas também estão passando pelo mesmo. Ir para Pará de Minas implicaria em um custo muito alto. A sensação agora é de medo”, cita.

Desemprego é ameaça real no Aeroporto Carlos Prates, e grupos calculam prejuízo

A situação é ainda mais drástica quando se trata do futuro das escolas de aviação e das oficinas de manutenção aeronáutica diante da iminente desativação das operações do Aeroporto Carlos Prates. Um empresário que optou por não ser identificado calcula uma despesa trabalhista de R$ 950 mil se houver a desmobilização do aeródromo em 31 de março – o valor seria o necessário para cobrir o acerto de seus 50 funcionários.

Atualmente, o aeroporto gera cerca de 500 empregos diretos e indiretos, conforme esclarece Eber Rocha, da Vel-Air. “O cenário hoje é de muita tristeza. Nós temos funcionários com décadas de atuação no aeroporto e que não sabem para onde ir, não sabem o que farão a partir de 1º de abril. Nós temos esperanças, mas, estamos nos preparando para lidar e ainda não conseguimos calcular o prejuízo”, cita. As aeronaves da escola, aliás, não têm lugar para serem guardadas.

Quadro semelhante é o do Aeroclube; além das cerca de 35 aeronaves usadas para instrução dos alunos, o hangar guarda também aviões desmontados, que não têm como ser transportados no prazo determinado. “Os próximos nove dias vão ser muito difíceis. O que dá para tirar, nós vamos tirar, mas, o que não der, nós vamos brigar. Nós precisamos estender esse prazo. É impossível remover as aeronaves, não tem jeito”, afirma Leonardo Padrão, presidente do Aeroclube. “Primeiro ponto é que nós não temos para onde ir. Segundo é que muitas das aeronaves estão desmontadas, não dá para tirá-las ainda que com um mês. O custo da desmontagem também é altíssimo”, detalha.

A manutenção de aviões é, aliás, um dos pontos de concentração do Aeroporto Carlos Prates, como reforça Eber Rocha. “Uma de nossas vertentes é a manutenção. Temos diversas empresas que realizam a manutenção de aviões e helicópteros, e são elas que sustentam o mercado de Minas Gerais e também o nacional. Essas empresas são referências”, detalha.

Ainda de acordo com ele, os helicópteros das principais corporações mineiras – Corpo de Bombeiros, Polícia Militar (PM) e Polícia Civil – são vistoriados no aeródromo, lugar onde também recebem os reparos necessários. Ao todo, são doze empresas ali instaladas e que atuam nos ramos de manutenção, troca de peças e homologação.

Saiba o que está acontecendo no Aeroporto Carlos Prates

Na última segunda-feira, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) enviou um ofício a concessionários do Aeroporto Carlos Prates determinando o prazo de 11 dias para desativação do terminal – sendo 31 de março a data-limite para o fim das operações. Esgotado o prazo, serviços de telefonia, água e energia elétrica serão cortados e os bens não retirados da área serão considerados abandonados.

A determinação segue a portaria 10.074 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) publicada em 16 de dezembro do ano passado, e que exclui o aeroporto da lista de aeródromos públicos – a portaria entra em vigor em 1º de abril deste ano.

Assim, a data de encerramento das atividades já estava prevista, mas foi confirmada após a queda de uma aeronave de pequeno porte no bairro Jardim Montanhês, na região Noroeste da capital mineira, no último 11 de março. À ocasião, o piloto morreu, e a filha dele sofreu ferimentos graves.

De acordo com o Governo Federal, a área do aeroporto será repassada à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que apresentou um projeto para construção de duas mil casas populares, um parque municipal e um polo industrial no terreno de 547 mil metros quadrados.

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Prazo é inviável, e aeroporto é necessário para formação de pilotos, alegam concessionários

Na tarde dessa terça-feira (21), a Associação dos Concessionários, Usuários e Amantes do Aeroporto (Voa Prates) esteve em reunião com o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD). Segundo Estevan Velásquez, presidente da agregação, o prazo para desativação do aeroporto é irrisório e é necessário discutir o prejuízo do fim das operações para a população.

“Agora, após a reunião, o próximo passo é conseguir um diálogo com Brasília para poder apresentar os nossos argumentos, mostrar para eles que, da forma como está sendo feito, nós estamos condenando milhares de pessoas, que vão perder emprego ou a chance da formação. Cinco universidades de Belo Horizonte têm cursos voltados para aviação. Onde esses alunos vão estagiar? Onde eles vão se formar e cumprir as horas de voo?”, indaga.

Após o encontro, o prefeito Fuad Noman declarou que está em diálogo com a Anac para que o prazo inicialmente determinado seja prorrogado. “A Anac me disse que pode prorrogar o prazo de decolagem dos aviões para que eles sejam retirados de lá, para dar tempo de retirar os aviões que estão em manutenção, mas, os pousos permanecem suspensos. Ou seja, o aeroporto está fechado e vai ter uma autorização especial para decolagens”, esclareceu.

(Com Talyssa Lima)

Repórter de política em Brasília. Na Itatiaia desde 2021, foi chefe de reportagem do portal e produziu série especial sobre alimentação escolar financiada pela Jeduca. Antes, repórter de Cidades em O Tempo. Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais.