Um mineiro que teve os quatro avós presos durante o holocausto nazista na Europa lançou livro contando a história da família, que fugiu para o Brasil na década de 1940. Na época, judeus, negros, ciganos, homossexuais e deficientes físicos ou intelectuais, assim como qualquer outra pessoa que não tivesse ascendência ariana, foram perseguidos, presos e mortos pelos nazistas.
Carlos Reiss, coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba, voltou para Belo Horizonte, sua terra-natal, para o lançamento do livro “Entre as Sombras e os Sóis”, que relata, especialmente, a história da avó Sala Boroviák, judia polonesa que ficou presa em Auschwitz, maior campo de concentração do regime nazista, localizado na Polônia.
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“Meus quatro avós eram judeus poloneses que sobreviveram ao holocausto. A minha avó paterna, a Sala, que é a personagem principal desse livro, nasceu numa cidade grande na Polônia e tinha 14 anos quando os alemães invadiram o país. Ela foi confinada num gueto e passou por três campos de concentração e extermínio, um deles, Auschwitz”, conta Reiss.
Ainda segundo ele, que passou cerca de 20 anos pesquisando a vida da avó, Sala também chegou a ser presa no campo de concentração Bergen-Belsen, conhecido por ser onde Anne Frank foi enviada e morta em 1945. Com o fim do regime nazista, Sala passou alguns anos em um campo de pessoas refugiadas, até conseguir migrar para Belo Horizonte com o marido, em 1948.
“Este livro é resultado de um projeto que durou 20 anos para ser concretizado, dentre pesquisas, entrevistas e a própria escrita da obra. Começou a ser escrito em Belo Horizonte, por volta de 2002, e eu precisei preencher lacunas na história e na trajetória da minha avó”, explicou Reiss.
“Entre Sombras e Sóis” foi lançado no último domingo (4) e na segunda-feira (5) na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, na Praça da Liberdade, região Centro-Sul de Belo Horizonte. A obra pode ser adquirida no site da editora Folhas de Relva ou em sites como a Amazon, além do próprio Museu do Holocaustro, em Curitiba, no Paraná.
“Nós somos a última geração que vai ter a oportunidade de ouvir em primeira pessoa, da boca dessas pessoas, as suas trajetórias de resistência e sobrevivência durante o holocausto. Por isso, é muito importante, neste momento, resgatar o maior número de histórias para que elas sejam imortalizadas e contadas próximas gerações”, afirma Reiss.
Sala Boroviák morreu em 1994, aos 69 anos, em Belo Horizonte, onde morou por 46 anos e reconstruiu a família. Em época de Copa do Mundo, Reiss relembra o carinho que a avó tinha com o Brasil, país que a abrigou após os horrores do regime nazista.
“Eu me lembro quando criança de um jogo entre Brasil e Polônia numa Copa do Mundo que a gente perguntava pra quem ela ia torcer. Ela era muito enfática ao dizer que iria torcer para o Brasil. Então ela adotou essa essa brasilidade, essa mineiridade, a questão do cafezinho, tudo isso fazia parte também da identidade”.
Museu do Holocausto
Atualmente, o Brasil possui dois museus destinados a relembrar o regime nazista e alertar sobre os perigos da ideologia de extrema-direita, um em São Paulo e outro em Curitiba. O primeiro a ser inaugurado foi o da capital do Paraná, que é coordenado por Carlos Reiss.
Criado em 2011, o Museu do Holocausto de Curitiba possui uma exposição permanente sobre o tema no Brasil, reunindo documentos e fotografias sobre o regime nazista. O museu pode ser acessado por qualquer pessoa pela internet, no próprio
“Temos um departamento de exposições itinerantes que fazem com que a instituição tenha braços que extrapolam a sua presença física, em Curitiba. Nós temos a convicção de que museus no XXI precisam ser instituições com responsabilidade social. Quem visita o museu tem a possibilidade de conhecer histórias reais de vítimas de sobreviventes do holocausto, contadas numa trajetória cronológica que vai desde o antes da ascensão do nazismo até o processo de reconstrução das suas vidas no Brasil”.
Reiss também reforça que existem museus do holocausto por todo o mundo, já que a ideologia nazista se espalhou por diversos países e ainda pode ameaçar as democracias globais.
“Museus do Holocausto são muito importantes pra dialogar com a sociedade sobre temas que são contemporâneos. Por exemplo, o racismo, violência contra a mulher, intolerância religiosa, no nosso caso, principalmente contra as religiões de matriz africana, LGBT-fobia, antissemitismo, acolhimento a refugiados, inclusão a pessoas com deficiência… Todos esses temas fazem parte do dia a dia das atividades dos museus”.
Preocupação com o neonazismo
Com o aumento de casos de violência e vandalismo relacionados à ideologia nazista, Carlos Reiss reforça a importância da educação sobre o holocausto e sobre a influência nazista no Brasil. Ele relembra como a ideologia nazista ganha força em tempos de instabilidade e aumento dos discursos de ódio.
“Nunca foi tão importante falar sobre o holocausto, nazismo, genocídios, como nos dias de hoje. Nós vivemos um período de um ciclo de ódio e intolerância. Para interromper esse ciclo significa retornar patamares aceitáveis de convívio social e, pra isso, vai ser necessário a gente retomar alguns consensos que nós tínhamos até pouco tempo atrás, que é a da universalização dos direitos humanos, da educação antifascista, da pluralidade, da diversidade e do acolhimento”, argumenta.
Desta forma, o coordenador do Museu do Holocausto de Curitiba afirma que, no mundo todo, autoridades e especialistas se preocupam com uma ameaça global crescente do neonazismo.
“Existe essa ameaça grave e cabe a nós, como sociedade, utilizarmos as lições e os legados que nós mesmos construímos de genocídios como holocausto e fazer com que essas lições sejam úteis pros dias de hoje. Falar sobre o holocausto não é falar sobre passado, é se utilizar do passado pra poder falar sobre presente e sobre o futuro”.