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Lei de Cotas: dezenas de projetos buscam a revisão sem um balanço que deveria ter sido feito, pode ser assim?

Estudos, dados, um balanço completo que vai apontar de que cenário saímos e em qual chegamos após a implementação da lei. E esse é o grande problema

Especialista garantem que a lei alterou o perfil das pessoas nas universidades brasileiras

Dez anos depois, dezenas de projetos em tramitação no Congresso Nacional propõem mudanças na Lei de Cotas. Chegou a hora da revisão. Esse processo de revisão, ou análise, é inclusive previsto na legislação, aprovada em 2012. Para que ele seja feito, é preciso, porém, um passo anterior.

Estudos, dados, um balanço completo que vai apontar de que cenário saímos e em qual chegamos após a implementação da lei. E esse é o grande problema. Quem participa ativamente desse debate em torno da revisão tem preocupações com a forma que ela vai ser feita justamente porque não há um acompanhamento por parte do governo federal. É o que aponta o diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores e pesquisadoras Negros e Negras (ABPN) e pesquisador da Escola de Direito da FGV de São Paulo, Delton Aparecido Felipe.

“Qual é a metodologia e qual é o parâmetro que o governo vai utilizar para fazer avaliação dessa lei? No corpo da Lei está dizendo que o Estado, por meio do Ministério de Educação e, seria o responsável por fazer um acompanhamento de impactos. No entanto, esse acompanhamento não foi feito. Qual foi a quantidade de entrada da população negra no ensino superior? Ou mesmo como essas pessoas estão? Qual é o processo de desistência? Qual foi o índice de evasão? Como elas foram incorporadas nos programas de pós-graduação? Como elas foram incorporadas no mercado de trabalho? Todos esses dados não foram gerados pelo governo por causa.”

Por causa dessas preocupações, entidades como a ABPN buscam entender como o Congresso tem feito esse debate e, para isso, fizeram um mapeamento dos projetos que tramitam na Câmara Federal e no Senado.

“Nós percebemos que temos projetos com características que visam não só garantir a lei como, também, prorrogar o prazo de avaliação. Inclusive, sob a argumentação de que dados não foram produzidos. (Temos) projetos que pensam não só na lei de cotas como, também, na permanência. Nós temos, também, projetos que visam inserir cotas raciais nas pós-graduações mestrado e doutorados. Porém, nós também temos os projetos que têm características que nós estamos chamando de ‘restritivas’. E aí nós temos diversos projetos que não atacam a lei de cotas propriamente dito. Eles atacam o caráter racial da lei de cotas. Entendendo, assim, que no Brasil não seria necessário políticas de inclusão para inserção da população negra nesses espaços.”

As universidades também estão preocupadas com mudanças que possam restringir o acesso plural ao ensino superior. Isso porque, a Lei de Cotas literalmente mudou a cara das universidades. É o que aconteceu com a maior instituição pública de Minas, a UFMG. De acordo com a diretora de políticas de ações afirmativas da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da universidade, Daniely Reis, o retrato hoje é outro.

“Se antes a gente tinha uma universidade expressivamente branca, elitista e que não corresponde à nossa sociedade, hoje, a gente tem uma universidade diferente, que representa melhor o que pretende ter a mesma equalização do que a gente vê na sociedade em geral. Então, é uma perspectiva muito positiva, no sentido de realmente ter democratizado o acesso e ter dado a possibilidade às presenças de pessoas de diversos setores e camadas da sociedade mais plural”, disse.

Por causa dessas mudanças, e para melhor, a universidade defende a prorrogação da Lei de Cotas por, pelo menos, mais 10 anos.

“Nossa posição é de que é preciso reafirmar a política de cotas pensando numa revisão, num sentido de fazer um balanço e ampliá-la por, pelo menos, mais 10 anos. Essa é a nossa perspectiva, considerando que são séculos de apagamento e, se é uma política que visa reparação histórica do racismo, o tempo que tivemos ainda é curto”, acrescentou.

Mais do que apenas uma política afirmativa, segundo a representante da UFMG, a Lei de Cotas é importante para garantir que as universidades representem, de fato, o que é a sociedade.

“A política de reserva de vagas é importante para democratizar o acesso ao ensino superior. Ele é um direito e, até bem pouco tempo, era só um grupo específico da nossa sociedade que estava presente nas universidades. E, ao trazer presenças plurais, a gente também diversifica o conhecimento”, disse.