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'É preciso retomar políticas sociais’ para tirar do mapa da fome 33 milhões de brasileiros, afirma sociólogo

Entre os motivos do aumento da fome no país estão a pandemia e falta de políticas públicas, alertam especialistas

33 milhões de brasileiros passam fome no Brasil

Incomodamente atual, a escrita de Carolina Maria de Jesus não parece retratar apenas a vida da autora e de seus três filhos na favela do Canindé, em São Paulo, entre julho de 1955 e janeiro de 1960. O livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada” conta histórias costuradas por dificuldades e fome ao longo de todos esses anos. Já se passou muito tempo e como ela disse lá atrás: “A pior coisa do mundo é a fome!”.

Ao longo dos últimos dias a Itatiaia apresentou histórias de famílias que não têm o que comer todos os dias e que dependem de ajuda para garantir o básico aos filhos. Muitos acordam sem saber se vai ter pão, arroz ou alguma outra coisa. Pessoas que estão nas grandes cidades, mas também no interior, no sertão, por todos os lados.

A pergunta que muita gente faz nesse momento é: como chegamos até aqui? O que explica esse aumento tão grande no número de pessoas passando fome no país? Afinal, são 33 milhões de brasileiros nessa situação. No quinto episódio da série sobre a fome a Itatiaia traz respostas que veem da sociologia e da economia.

Para o professor titular de Sociologia da UFMG, Jorge Alexandre Neves, a nossa atual situação tem relação com problemas em políticas públicas ligadas à oferta e também à demanda.

“Do lado da oferta porque foi desmontada a política nacional de armazenamento de alimentos para a criação de estoques reguladores principalmente de grãos. A falta disso está fazendo com que as flutuações de mercado gerem grandes problemas. Então, hoje a inflação é muito mais alta isso e isso está pegando muito fortemente na população mais pobre do país. Houve um desmonte nas políticas da agricultura familiar também. Então, do lado da oferta você teve esse problema. Do lado da demanda falta renda. Nós nunca tivemos uma participação tão baixa da rede de trabalho na renda nacional.”

Para o economista e professor do Ibmec, Felipe Leroy, a realidade tem a ver com outras questões, como a pandemia e turbulências internacionais.

“Estamos diante de um cenário de uma inflação acelerada em virtude de reflexos mesmo da pandemia, associado com toda crise internacional, guerra na Ucrânia. Tudo isso tem impactado significativamente o nosso dia a dia. Temos aumento de combustível, aumento de insumos dentro da agricultura e as famílias tem sofrido significativamente os impactos da inflação no bolso. O salário não acompanha mais o aumento de preços. A grande questão é que as famílias não estão tendo acesso ao básico, à cesta básica.”

E como saímos desse cenário? Quais os caminhos que nos levam para menor desigualdade e maior acesso a alimentos? O economista aposta em respostas que passem por ações de contenção da inflação e garantia de aumento de escolarização das famílias.

“Precisamos agora de um desenho de política pra tentar conter a inflação que é muito acelerada, em virtude de tudo que foi mencionado anteriormente. É uma diversificação maior também da matriz produtiva. Nós temos uma dependência muito forte do petróleo e derivados do petróleo. Acho que a tendência é desenvolver um modal logístico mais barato, mais em conta para tentar arrefecer os impactos e fazer um desenho de política pública pra aumentar o nível médio de escolaridade das famílias, para que elas consigam acessar uma educação de qualidade consigam aumentar a probabilidade de ocuparem cargos no mercado de trabalho com uma renda maior.”

A aposta que vem da sociologia é olhar para nossa própria história. Segundo o professor Jorge, já sabemos o que fazer, porque já foi feito uma vez.

“Nós já sabemos o que que precisa ser feito. Nós já fizemos isso. Nós conseguimos sair do mapa mundial da fome e praticamente erradicamos a a pobreza extrema. É preciso retomar as boas políticas sociais.”

Seja por qual via for, é preciso achar o caminho. Isso porque, como já disse Josué de Castro, autor do primeiro mapa da fome do Brasil, lá nos idos da década de 1940:

“A fome age não apenas sobre os corpos das vítimas consumindo sua carne, corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também age sobre seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta moral. Nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome.”

*Reportagem da Alessandra Mendes com produção do Pablo Nogueira