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Pensando em comprar um Labubu? Especialista faz alerta e revela o que está por trás da nova ‘febre’ do Tik Tok

Como vídeos de unboxing, organização, vitrines e coleções no TikTok impulsionam uma cultura de consumo impulsivo e acumulativo principalmente entre crianças e adolescentes

Consumo desenfreado: Labubu, Bobbie Goods, copo Stanley e o desejo por itens que viralizam nas redes

Nos últimos anos, a presença de crianças e adolescentes nas redes sociais, especialmente no TikTok, aumentou significativamente. Com isso, também cresceu a diversidade de conteúdos voltados para esse público. Entre as tendências mais recentes, destacam-se produtos que viralizam não apenas pela estética, mas também pelo simbolismo de pertencimento e status que carregam.

O copo Stanley, por exemplo, deu origem à trend #WaterTok, que transformou um objeto funcional em item de desejo. A febre envolveu personalizações, acessórios como bolsas e adereços, e o copo passou a ser visto como símbolo de estilo de vida.

Outro fenômeno é o dos livros de colorir Bobbie Goods, que ganharam espaço com vídeos mostrando o processo de pintura com canetinhas da marca Touch — preferida entre criadores de conteúdo. Embora qualquer caneta funcione nos desenhos, o que atrai é seguir exatamente a estética da trend, como uma forma de pertencer ao grupo.

Já o Labubu, um boneco com aparência monstruosa e colorida, virou item queridinho após ser exibido por celebridades como Lisa, do grupo Blackpink. O brinquedo já era sucesso entre colecionadores na China, mas ganhou o mundo com as redes sociais. Hoje, é comum encontrar vídeos de usuários exibindo Labubus pendurados nas bolsas ou organizando coleções do boneco com roupas e acessórios personalizados.

Consumo impulsivo: como acontece?

A lógica por trás desses objetos não é apenas estética ou funcional — e sim emocional, simbólica e social. De acordo com especialistas, o que está por trás do desejo por esses itens é o apelo ao pertencimento e à aceitação.

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, realizada pelo Cetic.br com 2.424 crianças e adolescentes, 83% dos jovens que usam internet no Brasil têm perfis em redes sociais como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. Entre as crianças de 9 a 10 anos, 60% já têm contas em ao menos uma dessas plataformas, mesmo que as principais redes exijam idade mínima de 13 anos.

Com esse acesso tão precoce, aumenta também a exposição a conteúdos que impulsionam o consumo, muitas vezes de forma não consciente.

Produtos como La Bubu, Bobbie Goods e o Copo Stanley despertam um desejo intenso, mesmo quando não apresentam uma utilidade clara. Nay Macêdo (@naymacedo no instagram), psicóloga especializada em proteção infantojuvenil, explica que esses objetos vão além da função prática: eles se tornam símbolos.

Para ela, o que atrai tantas crianças e adolescentes a esses produtos é o valor simbólico associado a pertencimento e aceitação. Esses itens funcionam como uma espécie de senha de acesso a um grupo. Estar por dentro da tendência, com o copo certo, a canetinha da moda ou o boneco mais viralizado, passa a ser mais importante do que a utilidade do objeto em si.

Desse modo, a lógica do consumo nesse contexto deixa de ser racional e se torna emocional. Como explica Nay, as redes sociais criam loops de repetição: vídeos com música, humor, afeto e recompensas sociais (como curtidas e comentários) aumentam ainda mais o desejo.

Além do comportamento

Estudos mostram que o impacto desse consumo vai além do comportamento. A pesquisadora Eva Telzer, da Universidade da Carolina do Norte, demonstrou por meio de ressonância magnética que o cérebro adolescente responde com intensidade ao retorno social nas redes. Quando recebem “likes”, há aumento de atividade no núcleo accumbens — a área do cérebro ligada ao prazer. Isso comprova que, muitas vezes, não é sobre o objeto, mas sobre o que ele comunica e a validação que ele proporciona.

Nay Macêdo destaca que o consumo impulsivo também pode estar relacionado a carências emocionais. Em muitos casos, os objetos comprados ou desejados funcionam como compensação para sentimentos de exclusão, solidão ou insegurança.

Mesmo crianças e adolescentes que se sentem amados e cuidados podem ser afetados por essa lógica, já que, por estarem em fase de desenvolvimento, são naturalmente mais vulneráveis a pressões e manipulações.

Quais são os sinais?

Segundo a psicóloga, alguns sinais de alerta devem ser observados, como irritação excessiva ao não conseguir um produto, insistência em pedir determinados itens, desvalorização do que já se tem, ou até mentiras para conseguir dinheiro. O consumo pode virar um ciclo vicioso: a compra gera um prazer momentâneo, seguida por uma sensação de vazio, que logo dá lugar a um novo desejo.

Quais são os impactos e riscos para crianças e adolescentes?

O impacto do consumo impulsivo em crianças e adolescentes vai além da questão financeira. Há efeitos culturais, emocionais e até neurológicos.

A exposição constante a imagens de consumo nas redes sociais estimula um comportamento impulsivo, uma baixa tolerância à frustração e uma construção frágil da identidade. A lógica do “ter para ser” começa a se formar desde cedo, a criança não deseja apenas o objeto, mas a sensação de pertencimento e aceitação que ele representa.

Essa construção pode gerar consequências graves. A autoestima se torna dependente de validação externa, ligada a marcas e tendências. Valores internos, como autonomia, criatividade e segurança emocional, perdem espaço para a necessidade de se encaixar em padrões impostos pelas redes.

A curto prazo, isso pode se manifestar como ansiedade, irritação, insatisfação constante, explosões emocionais ou necessidade de consumir mais conteúdos relacionados. No longo prazo, o jovem pode desenvolver comportamentos compulsivos, dificuldade em lidar com perdas, distorções de valores e autoestima oscilante.

Segundo Nay, esse cenário contribui para o adoecimento psíquico de muitas crianças e adolescentes. Ela aponta, por exemplo, o fenômeno #SephoraKids — em que meninas muito novas pedem rotinas de skincare adultas — e o aumento da preocupação de meninos com estética, músculos e até uso de esteroides. Tudo isso demonstra como o consumo e a imagem passaram a ocupar um lugar central na formação de identidade.

O que pode ser feito?

Para Nay Macêdo, a principal ferramenta de enfrentamento é a educação, tanto para o consumo quanto para o uso consciente da mídia. Ela defende que é necessário ensinar crianças e adolescentes a diferenciarem desejo de necessidade, propaganda de conteúdo, e a reconhecerem estratégias de manipulação emocional usadas pelas redes.

Mais do que apenas dizer “não”, é preciso incentivar o pensamento crítico e valorizar experiências e afetos que não dependem de objetos. “É necessário desenvolver resistência simbólica: dizer ‘não’ ao que nos violenta com aparência de mimo”, reforça a psicóloga.

* Sob supervisão de Lucas Borges

Izabella Gomes é estagiária na Itatiaia, atuando no setor de Jornalismo Digital, com foco na editoria de Cidades. Atualmente, é graduanda em Jornalismo pela PUC Minas