O que é ‘pedágio’ do tráfico, que seria causa da morte de técnicos de internet na Bahia

Três trabalhadores foram encontrados mortos, com mãos e pés amarrados em Salvador; a suspeita é que a empresa em que trabalham não teria pago a taxa exigida pela facção que controla a região

Técnicos de internet são mortos por facções na BA

Conhecido informalmente como “pedágio”, a cobrança ilegal feita por facções criminosas para autorizar a atuação de empresas em territórios sob seu domínio pode ser a causa do crime que chocou o estado da Bahia. A prática, que surgiu em comunidades do Rio de Janeiro, atinge principalmente prestadoras de serviços essenciais, como internet, gás, água e transporte, e tem se expandido em áreas controladas pelo tráfico em diferentes estados do país.

No caso da Bahia, nesta terça-feira (16), três funcionários de uma empresa de internet foram encontrados mortos, com mãos e pés amarrados e marcas de tiros. A principal linha de investigação é a de que a empresa de internet para a qual eles trabalhavam não teria pago a taxa exigida pela facção que controla a região.

Sem esse “aval”, trabalhadores que entram na área passam a ser vistos como invasores, ficando sujeitos a ameaças, expulsões e execuções. Nesta sexta-feira (19) às Forças Estaduais da Segurança da Bahia (SSP-BA) recolheram diversas câmeras e caixas clandestinas de distribuição de internet no bairro de Marechal Rondon, em Salvador. A região fica ao lado do bairro onde os três técnicos foram mortos.

‘Milicialização do tráfico’

Segundo uma reportagem do “Estadão”, publicada em novembro de 2025, especialistas e investigadores descrevem esse modelo como uma “milicialização do tráfico”.

“Os traficantes absorveram a lógica da milícia e perceberam que dá muito dinheiro cobrar taxas”, completou. Inquéritos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, com base na quebra de sigilo de conversas de integrantes do Comando Vermelho (CV), mostram que a lógica da cobrança é essencialmente econômica.

“Em uma rua, um ou dois vão usar cocaína. Mas quantos usam internet? Todos”, explicou um policial ouvido pelo Estadão. Ao restringir a entrada de empresas externas, os criminosos transformam serviços básicos em monopólios controlados pela facção, tornando qualquer atividade econômica passível de extorsão.

De acordo com investigadores, esse modelo reduz riscos para o crime organizado. Diferentemente do tráfico de drogas — que envolve concorrência, apreensões e perdas constantes —, a cobrança de taxas garante lucro contínuo e previsível, sustentado pela população que vive e trabalha nessas áreas.

O impacto recai diretamente sobre moradores e trabalhadores. Serviços ficam mais caros, já que o valor do “pedágio” é repassado ao consumidor final, e profissionais passam a atuar sob constante ameaça.

Um policial militar do setor de inteligência afirmou ao “Estadão” que, nos últimos cinco anos, a cobrança se tornou regra em várias comunidades. “Luz, água, gás, internet, vans, mototáxis, carro de aplicativo.

Tudo agora é deles e precisa pagar algum tipo de taxa. São valores que parecem pequenos, mas, considerando a massa de trabalhadores, geram milhões de reais por mês”, disse, sob anonimato.

Quanto custa o ‘pedágio’?

Em comunidades dominadas pelo CV, como a Rocinha, no Rio de Janeiro, a estimativa citada pelo Estadão é de que cerca de 1,5 mil motociclistas pagam uma taxa semanal de R$ 150, o que representa um faturamento de quase R$ 1 milhão por mês para a facção. Já itens básicos, como o botijão de gás, chegam a custar até R$ 150, bem acima da média estadual calculada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). ‘Estamos pagando o pato’

Em uma reportagem do Correio 24h, um técnico de internet, que preferiu não se identificar por medo de represálias, descreve um cenário de intimidação constante. “O crime avisa para não atuar no local, que nas áreas deles só pode atuar a empresa que paga. Nessa história, infelizmente, quem morre é o trabalhador.

Amanhã as empresas contratam outros e colocam na mesma situação de risco em que somos ameaçados, abrem nossos celulares e ficam nos intimidando. Estamos pagando o pato”, desabafa.

Os técnicos Ricardo Antônio da Silva Souza, de 44 anos; Jackson Santos Macedo, de 41 anos; Patrick Vinícius dos Santos Horta, de 28 anos não possuíam antecedentes criminais, segundo registros do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Os três realizavam um serviço de instalação em Salvador quando foram abordados por traficantes, levados à força para o Alto do Cabrito, local já conhecido como ponto de execução e desova de corpos.

O triplo homicídio foi descrito por fontes policiais como estratégico, com o objetivo de intimidar e enviar um recado direto à empresa.

Governador da Bahia comenta

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Estudante de jornalismo pela PUC Minas. Trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre Cidades, Brasil e Mundo.

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