Um levantamento internacional publicado no The Journal of Pain and Symptom Management revelou um dado alarmante: o Brasil ocupa a 79ª posição entre 81 países avaliados em um ranking global sobre
A posição mostra como o país ainda enfrenta grandes dificuldades em oferecer assistência adequada a pessoas com doenças que não têm mais possibilidade de cura. Ao Jornal da USP, a professora Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo, do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), explicou que o resultado precisa ser analisado considerando a diversidade do território brasileiro.
“Somos um país continental, com enormes diferenças regionais. A nota do Brasil representa uma média entre regiões em que os cuidados paliativos estão razoavelmente integrados ao SUS (Sistema Único de Saúde) e outras onde há completa ausência desses serviços. É um retrato de grandes vazios assistenciais”, afirmou.
Desigualdades e barreiras culturais
Segundo a professora, as regiões mais desenvolvidas concentram os recursos disponíveis, enquanto outras permanecem desassistidas. Mas ela ressalta que o desafio não é apenas estrutural. “É imprescindível que o processo de morrer seja compreendido como parte da vida. Precisamos inserir os cuidados paliativos como parte essencial da saúde, promovendo bem-estar enquanto houver vida, inclusive acolhendo as famílias no luto.”
Marysia defende uma transformação profunda, que envolva investimentos, políticas públicas sólidas e a colaboração entre diferentes setores. “Sem apoio financeiro e integração sistêmica os serviços não conseguem nascer ou se manter. As políticas precisam ampliar o acesso aos cuidados paliativos e garantir sua presença em todo o sistema de saúde.”
Uma saúde que acolha todas as dimensões
Para ela, cuidar do paciente em fim de vida vai além do controle da dor física. É necessário incluir também os aspectos emocionais, sociais e espirituais. “A intersetorialidade é o caminho para que todas essas dimensões sejam contempladas dentro dos princípios da humanização e da integralidade”, explicou.
De acordo com a professora, oferecer qualidade nesse processo exige enxergar a saúde de forma mais ampla. “É preciso garantir acesso a medicamentos, cuidado domiciliar, espaços de acolhimento digno e, principalmente, conforto emocional, apoio à família e à espiritualidade. Valorizar essas dimensões é essencial para oferecer um cuidado que realmente alivie o sofrimento.”
Formação e esperança
Outro ponto essencial, segundo Marysia, é a formação dos profissionais. Ela acredita que os cuidados paliativos devem fazer parte da formação desde a graduação. “Os cuidados paliativos devem ser, por definição, interprofissionais. Nenhum profissional pode oferecê-los isoladamente. Todos devem estar preparados, técnica e humanamente, para essa missão.”
Apesar dos obstáculos históricos, como a escassez de recursos, falta de políticas estruturadas e pouca valorização da área, a professora enxerga possibilidades. A publicação da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), em maio de 2024, representa um avanço importante.
“Com financiamento adequado, envolvimento da comunidade e profissionais capacitados, tanto técnica como humanamente, é possível melhorar a vida e o processo de morte de todos nós”, concluiu, ao jornal da USP.
* Sob supervisão de Enzo Menezes