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Brasil é destaque negativo em ranking global sobre cuidados paliativos

Especialistas apontam diversos fatores como entraves para o avanço dos serviços paliativos no país

Estudo internacional mostra fragilidade da atenção ao fim da vida no país

Um levantamento internacional publicado no The Journal of Pain and Symptom Management revelou um dado alarmante: o Brasil ocupa a 79ª posição entre 81 países avaliados em um ranking global sobre qualidade da morte e cuidados paliativos. O estudo foi publicado em 2022, com base em dados de 2021 e na opinião de 181 especialistas da área.

A posição mostra como o país ainda enfrenta grandes dificuldades em oferecer assistência adequada a pessoas com doenças que não têm mais possibilidade de cura. Ao Jornal da USP, a professora Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo, do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), explicou que o resultado precisa ser analisado considerando a diversidade do território brasileiro.

“Somos um país continental, com enormes diferenças regionais. A nota do Brasil representa uma média entre regiões em que os cuidados paliativos estão razoavelmente integrados ao SUS (Sistema Único de Saúde) e outras onde há completa ausência desses serviços. É um retrato de grandes vazios assistenciais”, afirmou.

Desigualdades e barreiras culturais

Segundo a professora, as regiões mais desenvolvidas concentram os recursos disponíveis, enquanto outras permanecem desassistidas. Mas ela ressalta que o desafio não é apenas estrutural. “É imprescindível que o processo de morrer seja compreendido como parte da vida. Precisamos inserir os cuidados paliativos como parte essencial da saúde, promovendo bem-estar enquanto houver vida, inclusive acolhendo as famílias no luto.”

Marysia defende uma transformação profunda, que envolva investimentos, políticas públicas sólidas e a colaboração entre diferentes setores. “Sem apoio financeiro e integração sistêmica os serviços não conseguem nascer ou se manter. As políticas precisam ampliar o acesso aos cuidados paliativos e garantir sua presença em todo o sistema de saúde.”

Uma saúde que acolha todas as dimensões

Para ela, cuidar do paciente em fim de vida vai além do controle da dor física. É necessário incluir também os aspectos emocionais, sociais e espirituais. “A intersetorialidade é o caminho para que todas essas dimensões sejam contempladas dentro dos princípios da humanização e da integralidade”, explicou.

De acordo com a professora, oferecer qualidade nesse processo exige enxergar a saúde de forma mais ampla. “É preciso garantir acesso a medicamentos, cuidado domiciliar, espaços de acolhimento digno e, principalmente, conforto emocional, apoio à família e à espiritualidade. Valorizar essas dimensões é essencial para oferecer um cuidado que realmente alivie o sofrimento.”

Formação e esperança

Outro ponto essencial, segundo Marysia, é a formação dos profissionais. Ela acredita que os cuidados paliativos devem fazer parte da formação desde a graduação. “Os cuidados paliativos devem ser, por definição, interprofissionais. Nenhum profissional pode oferecê-los isoladamente. Todos devem estar preparados, técnica e humanamente, para essa missão.”

Apesar dos obstáculos históricos, como a escassez de recursos, falta de políticas estruturadas e pouca valorização da área, a professora enxerga possibilidades. A publicação da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), em maio de 2024, representa um avanço importante.

“Com financiamento adequado, envolvimento da comunidade e profissionais capacitados, tanto técnica como humanamente, é possível melhorar a vida e o processo de morte de todos nós”, concluiu, ao jornal da USP.

* Sob supervisão de Enzo Menezes

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Izabella Gomes é estagiária na Itatiaia, atuando no setor de Jornalismo Digital, com foco na editoria de Cidades. Atualmente, é graduanda em Jornalismo pela PUC Minas