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As diferentes formas de violência obstétrica: ‘Me chamava de velha e sedentária’

No 2º episódio da série especial sobre Gestantes, a Itatiaia traz hoje a história da Letícia Rena, mãe que sofreu violência obstétrica na primeira gestação, de um profissional obstetra

centenas de mulheres continuam morrendo durante a gravidez e o pós parto

Tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido é considerado violência obstétrica, conforme informações do Ministério da Saúde. Nesta terça-feira (20), a Itatiaia conta a história da Letícia Rena, vítima desse tipo de violência logo na primeira gestação.

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Meses antes da data prevista para o parto, o médico pediu um pagamento adiantado, já que estava com uma viagem marcada. E foi na 37ª semana, já bem perto do nascimento, que os momentos de aflição e medo começaram. Defensora do parto normal, Letícia passou a ser cercada pelo médico com informações que colocaram nela a dúvida sobre o direito de escolha, da própria saúde e da segurança no momento do parto.

“Eu estava com 33 anos e ele dizia que eu estava velha para ter um parto normal. Ele me dizia que eu era sedentária. Nunca fui sedentária e me preparava com a mulher dele, inclusive. Me chamava de velha e sedentária. Dizia que eu estava colocando a minha filha em risco por um capricho. Ele falou: ‘você acha que é Índia para parir de cócoras?”.

Episiotomia

Juridicamente, o termo é bem amplo e na avaliação da advogada especialista em direito médico Bárbara Abreu, cada caso deve ser analisado separadamente. Entre eles, a episiotomia — um corte realizado no períneo da mulher, já no final do parto, quando a cabeça do bebê está saindo. Um procedimento médico que deve ser comunicado à mãe, antes de ser feito.

“A episiotomia é uma técnica reconhecida cientificamente na medicina e, muitas vezes, tem a necessidade de ser aplicada para a segurança do parto. E, neste ponto, a gente tem a vulnerabilidade da mulher quanto a real ocorrência da violência obstétrica, o qual é hoje um problema que temos no Brasil, a vulnerabilidade diante a falta de informação. Muitas vezes, essa mulher acha que foi submetida a uma violência que não ocorreu”, disse.

Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, a episiotomia realizada de forma seletiva, bem justificada, com técnica correta, pode proteger contra lacerações perineais graves, mas esses efeitos são conflitantes.11 A realização de episiotomia, de forma rotineira e indiscriminada, em toda e qualquer parturiente não é benéfica. No entanto, a falha na indicação do procedimento, quando houver situação clínica em que é evidente a sua necessidade, é igualmente prejudicial.

Além disso, a federação alerta para que a episiotomia não deve ser realizada sem o consentimento da parturiente, após esclarecimento dos motivos que justificam sua realização. "É necessário assegurar a compreensão da mulher sobre a necessidade do procedimento, solicitando o seu consentimento, antes da realização da episiotomia, fundamentalmente antes do início do período expulsivo”, disse a federação.

A informação evita processos de culpa

Se informar sobre o parto, o que pode ou não ser feito, quais os direitos e deveres da mãe e da equipe médica, são essenciais na avaliação da Letícia, para evitar e prevenir novos casos de violência obstétrica. A informação evita processos de culpa e ajuda a resgatar a dignidade de mães.

“Eu me senti muito culpada, como ocorre com qualquer tipo de abuso. A culpa nunca é da vítima. Eu sentia que eu havia falhado com a minha filha, eu sentia que eu havia falhado comigo. O que me salvou bastante foi pós-parto com a amamentação, que eu estava muito informada, então tive um processo maravilhoso que me ajudou a me reconectar com a minha maternidade”, contou.

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Ação pública

Entre algumas iniciativas públicas de cuidado à mãe e ao bebê, existe desde 2021, pelo Ministério Público de Minas Gerais, o projeto Melissa - Pacto de Enfrentamento à Mortalidade Materna e Infantil, criado visando reduzir as mortes de mães e bebês por causas evitáveis. O promotor de Justiça e coordenador dos centros de Apoio às Promotorias da Saúde, Luciano Moreira de Oliveira, detalha a atuação do MP:

“Minas Gerais e o Brasil têm compromissos para a redução da mortalidade materna e infantil. Mas, os dados não são positivos e nós não alcançamos ainda os objetivos. A meta assumida é reduzir a RMM 30 mortes por 100 mil nascidos vivos. Hoje, nós estamos em Minas Gerais em 47,8. Em relação à mortalidade infantil, a proposta é de que o índice fique inferior a 10. Hoje, estamos em 11,4”, finalizou.

Minas Gerais atingiu o menor patamar de mortalidade materna em 16 anos, há dois anos, um ano após ter registrado o maior pico de casos do período, por causa da pandemia da Covid-19. Ainda assim, centenas de mulheres continuam morrendo durante a gravidez e o pós parto - foram 289 em Minas na soma de 2022 e 2021 e 2.941 no Brasil em 2021, último ano divulgado.


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Jornalista graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva em 2005. Atua como repórter de cidades na Rádio Itatiaia desde 2022