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Regiões preservadas da floresta amazônica enfrentam aumento de extremos climáticos

Pesquisadores identificam que a região tem aquecimento até três vezes maior que a média da bacia amazônica

Sul da Amazônia sofreu intenso desmatamento e mudanças no uso da terra

Um novo estudo realizado pela Rede Amazônia Sustentável (RAS) concluiu que o centro-norte da Amazônia está em risco devido ao rápido crescimento dos extremos climáticos, ou seja, as altas temperaturas e as secas severas. A região é caracterizada por áreas de alta cobertura florestal, savanas naturais e territórios indígenas. O aumento desses extremos na região é pelo menos três vezes maior que o aumento médio da temperatura em toda a bacia amazônica. O estudo será publicado em novembro deste ano, durante a COP 30, em Belém-PA.

A pesquisa avaliou dados de alta resolução de temperatura e chuva obtidos por satélites em toda a bacia amazônica e modelou as mudanças de temperatura e estresse hídrico na região no período de 1981 a 2023. O trabalho revelou que 10% da bacia apresenta aumentos de temperaturas extremas de pelo menos 0,77 °C por década e mais de 3,31 °C. Esse número é, pelo menos, três vezes maior que os aumentos médios de temperatura na Amazônia de 0,21 °C por década.

Segundo Jos Barlow, pesquisador da Universidade de Lancaster e primeiro autor do trabalho, “essas temperaturas diurnas máximas durante os períodos mais secos vêm aumentando em ritmo muito mais acelerado que a elevação da temperatura média. Embora isso já tenha sido avaliado no sul da Amazônia, que compartilha uma estação seca bem marcada, nunca havia sido examinado em toda a região”, explicou.

O sul da Amazônia, região que sofreu intenso desmatamento e mudanças no uso da terra ao longo do tempo, conhecida como “arco do desmatamento”, é o local de aquecimento mais rápido quando se observa a variação da temperatura média. Porém, é no centro-norte da região, que compreende parte dos estados do Amazonas, Roraima e Pará, que se verificou o crescimento mais rápido nos extremos climáticos.

O estudo foi realizado por cientistas da Universidade de Lancaster, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Embrapa e uma equipe internacional de especialistas de 29 instituições, com apoio da WWF Reino Unido.

Floresta mais seca e inflamável

Os cientistas alertam que períodos excepcionalmente quentes ou secos recentes levaram a incêndios florestais extensos, mortes em larga escala de animais e árvores, bem como impactos à saúde humana relacionados ao calor e à poluição do ar. Dados recentes do MapBiomas (2025) mostram que em 2024, cerca de 6,7 milhões de hectares de florestas queimaram na Amazônia. Isso representa um número cinco vezes maior que a média histórica

“Os extremos climáticos são uma preocupação central, contribuindo para incêndios florestais, níveis excepcionais dos rios, poluição do ar e altas temperaturas que prejudicam pessoas, animais e árvores da floresta. As taxas de mudança que estamos observando nas regiões mais afetadas são alarmantes”, sinalizou Barlow.

Mudanças climáticas globais

O relatório fornece uma avaliação abrangente e atualizada das mudanças climáticas na Amazônia ao longo de mais de quatro décadas e em alta resolução para todo o bioma. O aumento médio de temperatura na Amazônia de 0,21 °C por década é confirmado com o que mostram outros estudos relacionados ao aquecimento global. Mas o que preocupa os cientistas é o aumento na incidência de extremos de temperatura e estresse hídrico, mudanças que não aparecem nas avaliações das médias de temperatura.

Por ser uma região com intensa cobertura florestal nativa, acredita-se que esses eventos climáticos no centro-norte da Amazônia não podem ser explicados por mudanças locais, como o desmatamento e uso da terra, e sim pelas mudanças climáticas globais. A pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, também autora do estudo, alertou que as mudanças climáticas afetam os meios de vida locais de várias maneiras, incluindo a redução da produção de produtos-chave como o açaí.

“Elas enfraquecem a rede de segurança que as florestas oferecem, ameaçando a segurança alimentar e diminuindo seu papel em uma sociobioeconomia em crescimento. Mais preocupante é que isso pode comprometer políticas públicas atualmente implementadas pelos governos federal e estadual para promover a transformação positiva da região, como os planos de restauração florestal. Esse cenário exige ação global para frear as mudanças climáticas em nome da justiça climática”, destacou Ferreira.

Os cientistas apontam que medidas de adaptação são urgentemente necessárias para lidar com os impactos desses extremos climáticos em rápida transformação. Isso inclui a prevenção de fatores que amplificam os riscos climáticos, como o desmatamento, o combate a incêndios florestais e o suporte às populações locais que sofrem os impactos dos eventos extremos, como a seca dos rios.

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*Giulia Di Napoli colabora com reportagens para o portal da Itatiaia. Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.