Aquicultura é solução contra crise climática e bioeconomia, dizem especialistas na COP 30

Cultivo de peixes e algas tem baixa pegada de carbono e alta eficiência produtiva

Tambaqui, principal peixe da Região Norte

A aquicultura - cultivo de peixes, moluscos, crustáceos, algas - foi apontada como uma solução para os desafios globais de segurança alimentar e mudanças climáticas, devido à sua baixa pegada de carbono e alta eficiência produtiva. O consenso foi estabelecido durante o painel “Sistemas agroalimentares aquáticos: benefícios climáticos e socioambientais da aquicultura”, realizado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) na AgriZone, a Casa da Agricultura Sustentável na COP 30.

O debate, moderado pela secretária Nacional de Aquicultura, Fernanda Gomes de Paula, reuniu especialistas que destacaram tanto a eficiência do setor quanto o seu potencial regenerativo.

Menos carbono, mais produtividade

Felipe Bodens, coordenador-geral de Desenvolvimento da Aquicultura em Águas da União do MPA, apresentou um panorama que coloca a aquicultura com a menor pegada de carbono entre as cadeias de produção de proteína animal.

Segundo ele, enquanto a agropecuária é responsável por 20% a 37% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), a aquicultura contribuiu com apenas 0,5% dessas emissões em 2017.

O especialista também destacou a alta eficiência do setor, citando dados de que a produtividade da piscicultura é 27 vezes maior do que a da bovinocultura em Rondônia. Além disso, a aquicultura utiliza recursos hídricos existentes, como rios e reservatórios, o que diminui a pressão por desmatamento e o uso extensivo da terra. Bodens também ressaltou os benefícios sociais da atividade para comunidades costeiras e ribeirinhas.

Oportunidades regenerativas no Brasil

A professora Patrícia Valenti, do Centro de Aquicultura da UNESP, ilustrou as oportunidades no Brasil com exemplos práticos. Ela mencionou o potencial de usar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas na Amazônia para viveiros de aquicultura, configurando uma alternativa de impacto ambiental significativamente menor que a bovinocultura extensiva.

Valenti citou ainda projetos inovadores, como o cultivo de macroalgas na Bahia e a produção de spirulina para a indústria farmacêutica no interior de São Paulo, que geram renda e contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Algas: grande aposta da bioeconomia

Um dos destaques do painel foi o potencial do cultivo de moluscos bivalves (ostras e mariscos) e, principalmente, das algas. Estes organismos são considerados neutros ou quase neutros em carbono e desempenham um papel crucial na melhoria da qualidade da água, mitigando a eutrofização e a acidificação de ambientes costeiros.

A algicultura foi classificada como a “grande aposta” para enfrentar a crise climática. As algas não só são usadas em alimentação e cosméticos, mas também oferecem alternativas sustentáveis ao plástico, insumos derivados de petróleo e produtos químicos sintéticos.

Chantal Line Carpentier, chefe do departamento de comércio da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), reforçou o potencial, destacando que as algas já representam 30% do volume da aquicultura global. “Algas não são apenas um recurso, são uma plataforma para a bioeconomia”, afirmou, manifestando a expectativa de que o Brasil participe da Iniciativa Global das Nações Unidas para as Algas Marinhas (UNGSI).

Desafios e soluções na Amazônia

Alzira Miranda de Oliveira, professora do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), focou no tambaqui, o peixe mais consumido na Região Norte e a segunda espécie mais cultivada no Brasil.

A pesquisadora alertou que as mudanças na temperatura da água, causadas pelas alterações climáticas, afetam diretamente o metabolismo e a produção do peixe. “Quanto mais quente o ambiente, mais comida terei que dar para o animal e menos produção terei”, explicou, indicando que o aumento da profundidade dos tanques tem sido uma adaptação de manejo.

A preocupação é também social, uma vez que 70% de toda proteína animal consumida no Norte advém de peixes, tornando a falta de tambaqui um potencial problema social e cultural.

Apesar dos desafios, Alzira destacou produtos da bioeconomia desenvolvidos com resíduos do tambaqui, como uma farinha de peixe para substituir a farinha de trigo e biojoias. “A Amazônia é vitrine de soluções em aquicultura, e nosso modelo pode ser exportado para outros países tropicais”, concluiu.

O painel também apresentou iniciativas sociais, como o projeto de aquaponia inclusiva, lançado em 2024 pelo MPA em Pernambuco, que visa integrar pessoas com deficiência na aquicultura, promovendo desenvolvimento sustentável e segurança alimentar local.

Leia também

Formada em jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Giullia Gurgel é repórter multimídia da Itatiaia. Atualmente escreve para as editorias de cidades, agro e saúde

Ouvindo...