Em um país com acesso crescente a métodos de prevenção e tratamento, o diagnóstico tardio do HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis ainda revela o peso da desinformação e do estigma no cuidado com a saúde. Neste cenário, na campanha Dezembro Vermelho deste ano, especialistas reforçam um alerta que ainda desafia políticas públicas e avança silenciosamente: o estigma continua sendo um dos maiores inimigos no enfrentamento ao HIV, à Aids e às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Mesmo com avanços científicos expressivos e acesso ampliado ao tratamento, o medo do diagnóstico persiste e atrasa a descoberta da infecção em milhares de brasileiros.
Na avaliação de especialistas, falar sobre HIV e ISTs exige uma mudança de abordagem. O tema precisa sair do campo do medo e ganhar espaço no cotidiano, com linguagem direta, sem julgamentos e próxima da realidade das pessoas. O Dezembro Vermelho cumpre esse papel ao chamar atenção para um problema que não se limita a um mês do calendário e que impacta famílias inteiras, serviços de saúde e a própria sociedade.
Estigma ainda afasta diagnóstico
O preconceito segue como uma das principais barreiras no enfrentamento do HIV no país. Quem viveu os anos mais duros da epidemia, nas décadas de 1980 e 1990, ainda carrega imagens associadas à culpa, à exclusão e à ideia de uma doença inevitavelmente grave. Esse imaginário, que não corresponde mais à realidade atual, continua influenciando decisões e comportamentos.
O coordenador do Serviço de Infectologia da Rede Mater Dei de Saúde, Dr. Rodrigo Farnetano, chama atenção para os efeitos desse cenário. “Muitas pessoas ainda associam HIV à ideia de culpa ou de uma sentença grave, o que gera pânico e afasta a população do teste. Esse atraso no diagnóstico é o pior cenário possível”, alerta.
Dados do Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV 2025 mostram que 52,9% das pessoas que convivem com o vírus já sofreram algum tipo de discriminação, muitas vezes dentro da própria família. Outro dado que preocupa indica que 22,8% evitam realizar o teste por medo da reação de terceiros. “A desinformação ainda é grande. Sem tratamento, o vírus pode levar anos para causar adoecimento. Mas quando o diagnóstico chega apenas nessa fase, o risco de desfechos graves é muito maior”, reforça o especialista do Mater Dei.
HIV não é sinônimo de Aids
O cenário atual é muito diferente daquele que marcou o início da epidemia. O HIV deixou de ser sinônimo de sentença e passou a ser tratado como uma condição crônica controlável quando diagnosticada a tempo. Os tratamentos evoluíram, tornaram-se mais seguros, eficazes e simples de seguir, com impacto direto na qualidade de vida de quem convive com o vírus.
Segundo Dr. Rodrigo Farnetano, hoje existem medicamentos de fácil uso e alta eficácia, inclusive com opções por via intramuscular e subcutânea, tanto para tratamento quanto para prevenção. A adesão correta ao cuidado permite que a pessoa tenha uma vida plena, com expectativa semelhante à da população geral, mantendo rotina de trabalho, estudos e relações afetivas sem restrições impostas pela infecção.
Outro ponto que precisa ganhar mais visibilidade é a diferença entre HIV e Aids. O HIV ataca o sistema imunológico e, sem tratamento, pode evoluir para a Aids, que representa uma fase avançada da infecção. No entanto, viver com HIV não significa desenvolver a síndrome. O diagnóstico precoce interrompe esse processo e protege o organismo ao longo do tempo.
Entre as informações que precisam circular com mais clareza, especialistas destacam que qualquer pessoa pode se infectar, que o tratamento precoce é simples e altamente eficaz, que o sigilo do diagnóstico é um direito garantido e que pessoas em tratamento regular geralmente não transmitem o vírus.
Outras ISTs também preocupam
O debate não se limita ao HIV. Outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) seguem em alta circulação no país, como sífilis, gonorreia, clamídia, hepatites virais, herpes genital e HPV. Todas são evitáveis com o uso correto de preservativos e apresentam melhores resultados quando identificadas precocemente.
O Brasil registra avanços importantes nos últimos anos. O país eliminou recentemente a transmissão vertical do HIV, da mãe para o bebê, e alcançou a menor taxa de mortalidade por Aids em anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde. As estratégias combinam testagem ampliada, distribuição de preservativos, métodos preventivos como PrEP e PEP e acesso ao tratamento contínuo.
Apesar das conquistas, o desafio segue sendo garantir que a informação chegue de forma clara, constante e acessível. Para Dr. Rodrigo Farnetano, o conhecimento continua sendo a ferramenta mais poderosa nesse enfrentamento. “A ciência já oferece as ferramentas necessárias para interromper a transmissão do vírus. O que ainda falta é informação de qualidade, ampla e contínua. Sem isso, não avançaremos na prevenção, no diagnóstico e no cuidado”, afirma.
Ampliar o acesso à informação é uma estratégia que reduz o medo, aproxima as pessoas dos serviços de saúde e fortalece o cuidado coletivo. O Dezembro Vermelho cumpre um papel essencial ao abrir esse diálogo, mas o enfrentamento do HIV, da Aids e das ISTs precisa estar presente durante todo o ano, com comunicação responsável, linguagem simples e compromisso com a vida.
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