Mudança fortalece o debate sobre inclusão e estimula projetos que transformam a experiência de frequentar restaurantes e espaços de convivência
O conceito de acessibilidade está passando por uma transformação importante no Brasil. Além de novas práticas na legislação e nas políticas públicas, a mudança também chegou à forma de representar visualmente pessoas com deficiência. Desde 2024, o país adotou oficialmente o símbolo internacional de acessibilidade criado pela ONU em 2015.
O novo desenho, composto por uma figura humana de braços abertos envolvida por um círculo, substitui a imagem tradicional da cadeira de rodas. A mudança sinaliza uma visão mais ampla e moderna sobre inclusão, deixando claro que acessibilidade não se limita apenas à mobilidade física.
Mais do que estética: uma mudança de mentalidade
A substituição do símbolo representa um avanço no entendimento sobre deficiência. Antes, o foco visual era o corpo, os limites físicos e o modelo biomédico. Agora, o novo desenho representa o modelo social, que identifica as barreiras estruturais e atitudinais como os verdadeiros fatores de exclusão.
Segundo o defensor público e professor Allan Joos, essa mudança ajuda a reforçar a ideia de que o que impede a participação plena não é a deficiência, mas um ambiente que não se adapta às pessoas. Assim, acessibilidade passa a incluir comunicação clara, atendimento preparado, cardápios acessíveis, inclusão digital, sinalização, adaptação sensorial e empatia.
Brasil alinha comunicação à Convenção Internacional
O novo símbolo foi oficializado por meio do PL nº 2.199/2022, aprovado no Senado Federal. A iniciativa integra uma agenda que busca ampliar o cumprimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), documento da ONU incorporado à Constituição.
A intenção é padronizar a comunicação pública e privada de maneira mais representativa. Pessoas com deficiência não formam um grupo único; representam uma enorme diversidade de experiências. O símbolo com braços abertos reforça a autonomia, o movimento e o direito de ocupar todos os espaços.
Quando a acessibilidade entra na vida real
A mudança simbólica se torna ainda mais forte quando acompanhada de ações práticas. É nesse ponto que iniciativas independentes mostram como a inclusão pode transformar o dia a dia de quem frequenta bares, restaurantes e espaços de convivência. Em Belo Horizonte, um projeto pioneiro coloca a acessibilidade em primeiro plano.
Acessibilibar: inclusão que nasce da experiência real
O Acessibilibar, criado pela jornalista Aline Castro, avalia bares e restaurantes da capital mineira e concede um selo para estabelecimentos acessíveis.
Aline tem atrofia muscular espinhal e usa cadeira de rodas desde a infância. Sempre foi ativa na vida cultural de Belo Horizonte, mas, durante os anos, encontrou obstáculos que iam além da porta de entrada. Muitas casas possuíam rampas, mas não ofereciam mesa adequada, corredor livre ou banheiro adaptado.
Ao receber mensagens frequentes perguntando “esse bar é acessível?”, ela percebeu que havia uma demanda real. Assim nasceu o projeto.
Como funciona o mapeamento
A jornalista visita estabelecimentos e avalia pontos como rampas, circulação, mesas, cardápios acessíveis, atendimento e banheiros adaptados.
Os locais que atendem aos critérios recebem o selo Acessibilibar. O objetivo é incentivar o cumprimento da lei, estimular melhorias e educar consumidores e empreendedores.
Aline destaca que acessibilidade não significa apenas permitir a entrada. É garantir permanência, conforto e autonomia. Muitas casas, segundo ela, têm rampa, mas falham no básico: espaço entre mesas, altura do balcão ou banheiros impossíveis de usar.
Inclusão é responsabilidade de todos
Para Aline, acessibilidade é uma ação compartilhada entre Estado, empresários e sociedade. Não basta a lei existir; é preciso fiscalização, orientação e cultura de respeito.
Desde a criação do Acessibilibar, vários estabelecimentos adaptaram banheiros, reorganizaram mesas e treinaram funcionários para receber pessoas com deficiência. O impacto é real e crescente.
O próximo passo é expandir o projeto para outras cidades e transformar o selo em referência nacional.
No Rio Grande do Sul, um restaurante acolhe famílias atípicas
Enquanto o Acessibilibar amplia práticas inclusivas, um restaurante no Rio Grande do Sul mostra como o cuidado pode nascer dentro de casa.
O Espetinho do Vini, em Guaíba, foi criado pelo casal Vinícius e Kelli Longaray, pais de Enzo Gabriel, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A ideia surgiu de uma necessidade da própria família.
Levar o filho para comer fora sempre foi difícil. Muitos estabelecimentos tinham som alto, iluminação intensa e nenhum espaço para acalmar a criança caso ela se sentisse desconfortável.
Adaptação pensada no público autista
O restaurante oferece ambiente silencioso, luz suave, área sensorial, brinquedos específicos e fones para quem se incomoda com ruídos.
As mesas têm adesivos informativos sobre TEA, o que ajuda clientes a compreender o comportamento das crianças.
O resultado foi imediato: famílias com crianças autistas passaram a frequentar o espaço e encontraram ali acolhimento, descanso e segurança.
Cardápio acessível e empatia no atendimento
Além da estrutura, o menu também foi adaptado. Vinícius percebeu que muitas crianças com TEA têm seletividade alimentar. Por isso, criou pequenas porções com preços simbólicos — entre R$ 1,90 e R$ 2,90 — para que nenhuma família se sinta constrangida.
Segundo ele, o objetivo não é lucrar com isso, e sim incluir. O gesto simples mudou a dinâmica do restaurante e inspirou outros empresários.
A inclusão como estratégia de sobrevivência
O setor de bares e restaurantes passa por um momento economicamente delicado. Pesquisa da Abrasel aponta que, em setembro, 27% das empresas tiveram prejuízo, 40% ficaram no zero a zero e apenas 33% registraram lucro.
Além disso, 40% dos estabelecimentos não conseguiram reajustar seus preços nos últimos 12 meses e outro percentual igual tem pagamentos em atraso.
Nesse cenário, oferecer inclusão deixou de ser apenas um ato social. Tornou-se vantagem competitiva.
Acessibilidade fideliza
Um espaço preparado para receber diferentes públicos atrai novas famílias e aumenta o retorno dos clientes.
Pessoas com deficiência costumam voltar onde se sentem respeitadas, e estabelecimentos preparados ganham reputação positiva.
Como diz Aline Castro, “acessibilidade não é custo, é investimento”. O novo símbolo, representado por braços abertos, traduz exatamente essa ideia: pertencimento, autonomia e movimento. É um convite para que mais empresas entendam que inclusão transforma vidas — e negócios.