Entre a intuição e a coragem de ser múltiplo

Um texto uma reflexão.

Entre a intuição e a coragem de ser múltiplo

Entramos naquele período silencioso e inevitável em que fazemos uma espécie de contabilidade emocional. Olhamos para trás, revisitamos promessas feitas no réveillon, avaliamos o que saiu do papel e o que ficou pelo caminho. Ao mesmo tempo, tentamos dar conta de uma lista de pendências que parece crescer sozinha.

Sempre que chego a esse ponto do ano, repito um ritual pessoal que nunca falha. Volto aos livros que me acompanharam ao longo dos meses, não para reler trechos aleatórios, mas para entender como eles atravessaram minhas escolhas.

Foi assim que reencontrei um livro que me acompanhou durante praticamente todo o ano e que dialoga diretamente com o último texto que escrevi antes de virar a página do calendário. Um texto em que falei sobre escuta, deslocamento interno e a necessidade de aceitar que nem tudo precisa ser linear para fazer sentido. Essa leitura funcionou como uma lente. Não explicou decisões de forma racional, mas ajudou a compreender por que elas aconteceram.

A libertação de não caber em uma única definição

O livro é Como ser tudo o que você quiser, de Emilie Wapnick. A ideia central é simples, mas profundamente desconfortável para um mundo que exige das pessoas rótulos claros. Nem todo mundo nasceu para seguir uma única vocação.

Algumas pessoas são movidas por múltiplos interesses, atravessam áreas diferentes e constroem sentido justamente na soma dessas partes. Wapnick chama essas pessoas de multipotenciais, mas o nome importa menos do que o efeito libertador do conceito.

Ao longo do ano, percebi o quanto tentamos nos encaixar em narrativas únicas para facilitar explicações externas. Profissão, cargo, área, especialidade. Tudo muito organizado para caber em apresentações curtas. O problema é que a vida real raramente respeita esse formato.

O livro não romantiza a dispersão, mas oferece algo mais honesto. A possibilidade de entender que curiosidade, mudança e expansão não são defeitos. São motores.

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Quando o mercado confunde foco com estreiteza

Vivemos um momento em que foco virou palavra de ordem. Em tese, faz sentido. Em excesso, vira armadilha. Parte do mercado passou a tratar qualquer desvio como fraqueza estratégica. Dados viraram dogma. Métricas se transformaram em identidade. Decisões que não nascem embrulhadas em gráficos geram desconfiança imediata.

O problema é que essa lógica ignora um ponto essencial. Pessoas não são planilhas. Comportamento humano não responde apenas a estímulos mensuráveis. Emoções, símbolos, repertório cultural e memória moldam escolhas de maneira silenciosa. Quando reduzimos tudo a números, perdemos justamente o que torna uma decisão potente.

Pensar também é aceitar o risco

Nesse ponto, o que posso te dizer com certeza por ter vivido esse ano e não por ter ouvido falar é que o excesso de controle não elimina o risco, apenas empobrece a experiência humana. Ao tentar antecipar todas as variáveis, deixamos de agir de verdade. Criamos movimentos seguros, porém estéreis.

Essa reflexão dialoga diretamente com o que vi acontecer ao longo do ano em diferentes áreas criativas. A busca por previsibilidade absoluta produziu trabalhos tecnicamente corretos, mas emocionalmente vazios. A coragem de errar, de testar e de assumir caminhos não óbvios ficou cada vez mais rara.

Criatividade não nasce do excesso de explicação

Uma das armadilhas mais comuns do nosso tempo é a necessidade de explicar tudo antes mesmo de fazer. Ideias precisam nascer justificadas, validadas, testadas, simuladas. O problema é que a criatividade raramente aparece nesse ambiente. Ela surge no espaço do risco, da curiosidade e da intuição treinada.

Ao revisitar meus próprios projetos deste ano, fica claro que os movimentos mais acertados não vieram de análises longas. Vieram de conversas fora do roteiro, de encontros improváveis, de decisões que não faziam sentido no papel, mas faziam todo sentido no corpo. Isso não é ausência de lógica. É uma lógica mais profunda, construída a partir de experiência acumulada.

Intuição não é improviso

Existe uma leitura equivocada sobre intuição. Muitos a confundem com impulso vazio ou achismo. Não é disso que se trata. Intuição é experiência condensada. É o resultado de anos observando padrões, errando, ajustando e aprendendo. Quando ela aparece, parece súbita, mas carrega uma história inteira por trás.

No livro de Emilie Wapnick, essa ideia se conecta diretamente com a noção de multipotencialidade. Pessoas que transitam por diferentes áreas acumulam repertórios variados. Essa mistura cria conexões que não surgiriam em trajetórias lineares. A intuição, nesse caso, nasce justamente da soma improvável de referências.

O incômodo de não caber em uma só caixa

Ao longo do ano, percebi o quanto ainda incomoda não caber em uma definição única. Existe uma expectativa silenciosa de coerência absoluta. Quando alguém muda de rota, amplia interesses ou cruza territórios diferentes, surgem questionamentos. Falta foco. Falta clareza. Falta estratégia. Quase nunca se considera a possibilidade de evolução.

O último texto que escrevi neste ano falava exatamente sobre isso. Sobre a necessidade de escutar os próprios deslocamentos internos antes de responder às demandas externas. Revisitando esse texto agora, ele dialoga diretamente com a leitura de Wapnick. Ambos apontam para o mesmo lugar. Crescer não é aprofundar sempre no mesmo ponto. Às vezes, é expandir.

Há decisões que não batem à porta.

Elas entram. Sentam-se no silêncio da alma e esperam que a gente as reconheça. Quando olho para minha trajetória, percebo que as escolhas mais importantes nunca nasceram da lógica. Vieram antes dela. Surgiram como um incômodo suave, uma curiosidade que não se calava, um chamado que não sabia explicar. Só depois a razão chegou, humilde, para organizar o que o coração já havia decidido.

Essas escolhas não enfraquecem quando não sabem se justificar. Elas se fortalecem. Porque carregam verdade. E a verdade não pede licença.

Emilie Wapnick lembra algo essencial: não existe um único caminho chamado sucesso. Existem caminhos que conversam com quem somos. O sofrimento começa quando insistimos em viver histórias que não nos pertencem, apenas porque parecem mais fáceis de contar aos outros. A alma, porém, reconhece imediatamente quando está andando na direção errada.

Ao fechar este ano, entendi que o maior aprendizado não foi conquistar respostas, mas recuperar espaço interno. Espaço para escutar a intuição. Para aceitar que somos feitos de muitas camadas. Para compreender que coerência não é rigidez, é fidelidade ao movimento da vida.

O mundo pede pressa. O mercado cobra definições os relacionamentos nem se fala. Mas quase tudo o que realmente importa cresce devagar, no tempo certo, longe do barulho. Foi e esta sendo assim com a gestação do meu filho chegamos a semana 35 semanas e tá tudo bem, tenho certeza de que o melhor esta por vir, sempre.

Encerrar o ano com essa consciência não resolve todos os dilemas. Mas oferece um presente raro: a tranquilidade de não forçar o destino e a coragem de confiar no próximo passo mesmo quando ele ainda não tem nome.

O próximo passo nunca é o definitivo

E quando me perguntam qual será o próximo passo. A resposta continua a mesma. Meu próximo passo é o próximo projeto que fizer sentido agora. Não porque falte planejamento, mas porque sobra escuta. A pergunta mais importante nunca foi onde eu estou. A pergunta que realmente importa é o que estou entregando para o mundo neste momento.

Talvez o maior risco seja ignorar essa pergunta por muito tempo.

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Profissional de Comunicação. Head de Marketing da Metalvest. Líder da Agência de Notícias da Abrasel. Ex-atleta profissional de skate. Escreve sobre estilo de vida todos os dias na Itatiaia e na CNN Brasil.

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