Nas últimas semanas, as redes sociais foram invadidas por vídeos de raposas “rindo” ao receberem carinho na barriga ou dormindo em sofás como se fossem cães. O fenômeno viral despertou um desejo praticamente mundial de possuir essas fofas como animais de estimação.
No entanto, por trás de clipes de 15 segundos de vídeo, há uma realidade biológica complexa e muitas vezes cruel. Cientistas e etólogos (especialistas em comportamento animal) emitiram um alerta: raposas são animais selvagens, e a confusão entre “animal amansado” e “animal domesticado” pode levar a acidentes domésticos e ambientais.
A principal distinção que o público ignora é genética. O cão passou por um processo de coevolução com o ser humano de aproximadamente 30 mil anos, selecionando genes de docilidade e dependência.
A raposa, mesmo quando criada em cativeiro, mantém seus instintos predatórios e territoriais. O famoso experimento de “Farm-Fox” da Rússia, feito pelo geneticista Dmitri Belyaev na década de 1950, provou que transformar uma raposa em um “pet” exige dezenas de gerações de seleção genética rigorosa, algo que não ocorre com as raposas vendidas no mercado exótico ilegal ou capturadas na natureza.
David Macdonald, zoólogo da Universidade de Oxford, nos Estados Unidos, e uma das maiores autoridades mundiais em canídeos selvagens, diz que a posse desses animais proporciona um sofrimento silencioso, pois eles têm necessidades de espaço e caça incompatíveis com um apartamento ou quintal.
“Raposas são animais altamente energéticos e destrutivos em ambientes confinados. Elas não possuem a vontade de agradar que os cães têm. O que vemos nos vídeos são momentos raros ou interpretados erroneamente. Uma raposa ‘rindo’ pode estar, na verdade, emitindo vocalizações de submissão por estresse ou medo. Tratar um animal selvagem como um bebê humano ou um cachorro é uma forma de maus-tratos psicológicos”, diz Macdonald, que também é diretor da Unidade de Pesquisa em Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford (WildCRU).
No Brasil, a situação esbarra ainda na barreira legal. A nossa fauna nativa, que inclui canídeos como o Graxaim-do-campo e a Raposa-do-campo, é protegida por lei. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, proíbe a captura, manutenção e comercialização de animais silvestres nativos sem autorização científica ou de criadouro conservacionista.
Além da questão legal, há o risco sanitário. A convivência estreita com animais não domesticados expõe os tutores a zoonoses para as quais não existem vacinas aprovadas para uso “pet” nessas espécies, como variantes da raiva ou parasitas específicos.
“Esses animais não foram vacinados ou selecionados para o convívio humano. O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilícita do mundo, e a ‘moda’ impulsionada pelas redes sociais alimenta diretamente essa rede”, orienta a Nota Técnica do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e Lei de Crimes Ambientais.