Disputa judicial entre herdeiros ameaça legado da Bandalheira Folclórica de Ouro Preto

Ação de usucapião envolvendo imóvel histórico coloca em risco a continuidade simbólica e institucional de um dos blocos mais tradicionais do Carnaval ouro-pretano

Um dos blocos mais tradicionais do Carnaval de Ouro Preto, a Bandalheira Folclórica Ouropretana (BAFO), vive um momento de forte tensão interna após o ajuizamento de uma ação de usucapião que colocou herdeiros da família fundadora em disputa judicial com a atual diretoria da associação.

Fundada em 1972 por Virgílio Augusto Alves, a Bandalheira construiu, ao longo de mais de cinco décadas, uma história marcada pela irreverência, pela crítica social e pela preservação do Carnaval de Rua como patrimônio cultural de Ouro Preto. Hoje, esse legado corre risco de descontinuidade diante de um conflito que envolve herança, posse de imóvel e princípios éticos ligados à origem da entidade.

Os integrantes da família fundadora da instituição divulgaram nota de repúdio contra a atual diretoria da Bandalheira, acusando seus representantes de tentar se apropriar judicialmente de um imóvel que, segundo os herdeiros, foi apenas cedido para uso temporário e nunca transferido em definitivo.

A nota, enviada à imprensa afirma que houve quebra de confiança e desrespeito à história da entidade:

“Tentar converter um ato de generosidade em posse definitiva é uma grave violação da ética e da gratidão que sempre nortearam a Bandalheira”, diz um trecho do documento.

Os familiares reforçam que a cessão sempre foi informal, baseada na boa-fé, e que nunca houve intenção de doação ou transferência do bem. Para o grupo, a iniciativa judicial compromete a credibilidade moral da associação e ameaça sua relação histórica com a comunidade.

“A BAFO é maior do que interesses individuais. Tem passado, tem presente e merece um futuro honrado”, afirma outro trecho da nota.

A disputa corre oficialmente na 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto. Na petição inicial, os autores alegam que residem e utilizam o imóvel há mais de 35 anos de forma contínua, pacífica e com intenção de domínio, afirmando que realizaram melhorias estruturais, pagaram impostos e mantiveram o espaço como sede da associação desde 2003.

Os herdeiros contestam frontalmente a versão apresentada no processo e afirmam que jamais renunciaram à propriedade do imóvel. Segundo eles, houve apenas tolerância para uso, sem qualquer contrato ou intenção de transferência patrimonial.

O grupo afirma ainda que irá apresentar na defesa documentos e provas que demonstram a improcedência da ação, incluindo mensagens, comunicações e registros que indicariam ciência dos autores sobre o caráter provisório da ocupação.

A reportagem procurou o atual presidente da BAFO, Pedro Ivo Amaro Alves, por meio de seu advogado, Dalton Antônio Gonçalves Lopes, que encaminhou resposta oficial à nota de repúdio.

Na manifestação, o advogado afirma que a ação de usucapião foi ajuizada no “estrito cumprimento do dever estatutário” de proteger o patrimônio da entidade e que a Bandalheira ocupa parte do imóvel desde sua fundação, em 1972, de forma contínua, pública e sem interrupção.

Segundo a atual diretoria da Bandalheira Folclórica Ouropretana, a ação de usucapião foi ajuizada em estrito cumprimento do dever estatutário de proteger o patrimônio da entidade e garantir a continuidade de suas atividades. De acordo com a defesa, o pedido judicial refere-se especificamente ao sótão do imóvel onde funciona a sede da associação, área que, segundo alega a diretoria, é ocupada de forma contínua, pública e ininterrupta há mais de 50 anos. A entidade afirma que a medida foi adotada diante do receio de perda da posse do espaço e reforça que a iniciativa busca exclusivamente preservar a estrutura física e jurídica da Bandalheira, sem qualquer intenção de afronta pessoal à família fundadora, mas como um ato de proteção institucional.

A defesa sustenta que a Bandalheira possui personalidade jurídica própria, distinta da figura do fundador e de seus herdeiros, e que os interesses da associação devem prevalecer sobre conflitos familiares.

“O dever do presidente é defender o patrimônio da Bandalheira, independentemente de aceitação de terceiros”, ressalta o advogado.

A defesa conclui afirmando que a atual gestão age com transparência, respeito às leis e obediência ao estatuto social da entidade, e garante que todas as questões judiciais serão tratadas exclusivamente nos autos do processo.

O advogado afirma ainda que o Estatuto da Bandalheira obriga a diretoria a proteger o patrimônio da instituição e manter suas atividades culturais e sociais, destacando que o interesse coletivo deve prevalecer sobre disputas de natureza pessoal.

Como o processo está em fase inicial, a Justiça ainda não se manifestou sobre o mérito da ação. O desfecho poderá levar meses — ou até anos — e terá implicações tanto jurídicas quanto simbólicas para o futuro da Bandalheira.

A reportagem seguirá acompanhando o caso.

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Bruna Truocchio
Bruna Truocchio
Bruna Truocchio é repórter da Rádio Itatiaia Ouro Preto e apresentadora do jornal local. Formada em Jornalismo pela Universidade Estácio de Sá, tem pós-graduações em Filosofia e Marketing Digital.

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