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Curta-metragem “Arte da Guerra” destaca resistência artística nas periferias de Mariana

Produção independente propõe debate sobre arte, sobrevivência e coletividade nas periferias

Como uma reflexão sobre a realidade de artistas independentes na cidade de Mariana, o curta-metragem Arte da Guerra já está em fase de pós-produção, com exibição pública prevista para o fim de outubro ou início de novembro, em Mariana.

A produção foi contemplada pelo Edital de Chamamento nº 001/2024, por meio da Lei Paulo Gustavo Audiovisual, da Secretaria de Cultura, Patrimônio Histórico, Turismo e Lazer, e reúne talentos locais em torno de um projeto que busca representar as vivências de quem transforma a arte em forma de sobrevivência.

Idealizado por Mirian dos Santos, a BadMiroca, e por Paulo Rogério, o poeta Aquiles, o curta se estrutura como um espaço de expressão para corpos periféricos e marginalizados. “A gente é artista da palavra, e vínhamos conversando sobre a escassez de recursos para quem vive da arte aqui na região. Quando surgiu o edital, pensamos: por que não levar isso para o cinema?”, explica Paulo Rogério, que assina a produção Geral, o roteiro e também atua no filme.

Aquiles, que é MC, produtor e arte-educador, reforça que o curta é fruto de um processo coletivo enraizado na cultura da periferia e no hip-hop. “Trabalho com cultura periférica e uso o hip-hop como ferramenta de transformação social. O curta foi mais um passo nessa caminhada, com uma galera que já vem atuando junto em oficinas, projetos e eventos”, explica. “Pra muita gente do elenco, essa foi a primeira experiência com o cinema. Eu mesmo, apesar de ter experiência com produção cultural, nunca tinha atuado nem organizado algo nessa dimensão.”

O artista destaca que o curta só se tornou possível por causa da rede formada entre coletivos independentes da cidade. “A gente depende de nós mesmos. Conexão Zulu, Vila Pobre, Projeto Soma, Movimento TT1, BDM, BDA, Majuma... se não trabalhar em rede, não funciona. Essa conexão sempre existiu, o curta só potencializou isso.”

Como referência a uma das composições de Aquiles em parceria com a artista Maju, o curta-metragem incorpora elementos da música “Arte da Guerra”. A partir dessa canção, o conceito foi ampliado e transformado em um projeto audiovisual que busca retratar a cena da poesia marginal em Mariana. “A gente percebeu que existia um mundo dentro desse conceito. Foi daí que surgiu a ideia de escrever o projeto para a Lei Paulo Gustavo e transformar isso em um curta”, lembra Aquiles.

A proposta do curta nasce, segundo Aquiles, com referencia também ao livro “A arte da Guerra” de Sun Tzu, mas com base em vivências reais. Os personagens interpretam a si mesmos: Aquiles é Aquiles, Bom Black é Bom Black, Kete é Kete, Killa é Killa, e BadMiroca é Badmiroca. “Não é um documentário porque os fatos não aconteceram exatamente daquela forma, mas é uma ficção que existe para sintetizar as nossas trajetórias enquanto artistas periféricos”, explica.

O curta também marca a maior produção realizada até agora pelo grupo. “O cinema exige muitos detalhes. Tem a questão tecnológica, teatral, organizacional... É uma escola pra gente. E foi importante perceber que a gente já tinha toda uma equipe técnica por perto”, afirma Aquiles.

A intenção é reunir na exibição do curta-metragem não só o público em geral, mas todas as pessoas que participaram do processo, direta ou indiretamente. “Quem ajudou na alimentação, quem carregou coisa, quem colou pra atuar, figurantes... todo mundo mesmo. Foi uma gama muito grande de pessoas”, completa Aquiles.

Sobre a mensagem do curta, Aquiles explica que o objetivo nunca foi, inicialmente, comunicar algo ao público, mas retratar algo que fosse verdadeiro para quem vive essa realidade. “Quando pensei esse projeto com a Mirian, pensei mais sobre o quanto aquilo era verdade pra gente. E acredito que, por ser verdadeiro pra nós, vai tocar quem também vive esse corre, artístico ou não. A mensagem é de verdade, de luta, de esperança... mas também de uma realidade dura, que só pode ser enfrentada coletivamente.”

A diretora do curta, Mirian dos Santos, conhecida artisticamente como BadMiroca, também compartilha reflexões sobre o processo de criação de Arte da Guerra.

“Arte da Guerra” representa o combate diário vivido por artistas pretos e periféricos desde o nascimento. Produzir arte nesse contexto, sem apoio financeiro ou estrutura, é um ato de resistência. Na periferia, a cultura é o que mantém as pessoas vivas e conectadas, apesar da marginalização. Mesmo com tantos talentos, muitos ainda não conseguem viver da própria arte. O filme nasce dessa realidade, reunindo artistas de Mariana e Ouro Preto. Ele questiona se é possível vencer essa guerra sem se corromper. Quem consegue? E a que custo? São reflexões que ficam para quem assistir.”

Mirian também compartilha como a arte sempre esteve presente em sua trajetória, não apenas como expressão criativa, mas como forma de existência e vínculo com a comunidade. Desde cedo, a escrita e a poesia foram caminhos de resistência, identidade e sobrevivência. Com Arte da Guerra, esse percurso ganha novas camadas, conectando linguagem cinematográfica e território.

“A escrevivência vem de muito antes, porque o que eu vivo eu transformo em palavra como forma de sobrevivência. Sem poesia eu não respiro, e sem respirar eu não existo”, afirma.

‎Laira Ferreira é estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e estagiária na Rádio Itatiaia Ouro Preto.