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Padre Samuel Fidelis | E essa COP?

Assim como em todos os temas que envolvem a moral, a questão do meio ambiente corre o risco de ser uma pauta menos 'ética’ e mais ‘estética’

Padre Samuel Fidelis em celebração

É sempre um grande desafio, em qualquer relacionamento, ter consciência das responsabilidades. Tanto é verdade que, não raro, o amor desidrata, nas relações, por falta de consciência da “parte que me cabe”, isto é, quando o outro é entendido apenas como um credor de demandas. “Ah, você não cumpre suas obrigações...”. Quem não escutou essa frase ainda é moleque...

Bom, o texto não é sobre casamento; é sobre a COP 30 (a Conferência das Partes). Os olhos do mundo se voltam para Belém, no coração da Amazônia, para debater questões que envolvem as políticas internacionais sobre mudança climática. Claro, o saldo é sempre positivo quando debatemos esse tema tão premente e necessário. Todavia, é preciso refletir sobre alguns tensionamentos das “partes”.

Assim como em todos os temas que envolvem a moral, a questão do meio ambiente corre o risco de ser uma pauta menos “ética” e mais “estética”. Reúnem-se um grupo de pessoas, como num teatro, em que há cenas, drama, que todo mundo vê, aplaude e, quando fecha a coxia, todos voltam para a realidade...

Não podemos dar por descontada a “ironia” de uma conferência sobre o clima, precisamente no país que discute explorar petróleo na margem equatorial do seu território. Claro, o tema é complexo; há razoabilidade no debate. Todavia, não podemos estar cegos diante do paradoxo que é extrair petróleo sob o pressuposto de “trazer riqueza local” e “usar os recursos do combustível fóssil para financiar a transição energética”.

Outra contradição in terminis é o fato de estarmos recebendo aqui líderes de países hospedados em grandes navios movidos a combustível fóssil, que já exploraram (e continuam a fazer isso!) seus recursos e agora vêm dizer ao Brasil como preservar os recursos que, historicamente, os países ricos mais destruíram.

Há de se ver uma contradição no documento emitido ontem, quando o chefe da Convenção do Clima (com a devida reverência) envia uma carta ao governo falando sobre as falhas no evento: calor e falta de ar-condicionado, manifestações, alagamentos...

A proposta do texto não é a de uma crítica pura e simples. Seria injusto fazer generalizações. Há muita gente séria debatendo essa que é uma das pautas mais urgentes da contemporaneidade! A questão é pensarmos se o discurso sobre meio ambiente é precedido de uma autêntica sensibilidade da consciência ambiental. E, mais ainda, se, falando de fundos bilionários para ações ambientais, metas arrojadas para eliminação de carbono e outras utopias, há espaço (que seja numa planilha de Excel com um 5W2H) para pensar quais são as ações práticas para reverter a situação do clima, diminuir as tragédias ambientais (como a do ciclone no Paraná), ampliar políticas públicas efetivas em favor dos mais vulneráveis (como sempre, os mais afetados), forçados a migrar por conta de questões climáticas.

Bom, as respostas não são fáceis. E quem dissesse que sim seria ou ingênuo demais ou cínico. Fica sempre a pergunta de eu estar, com todas as comodidades do mundo contemporâneo, disposto a abrir mão de um saco plástico que seja!

E podemos ainda nos perguntar: mas que diacho isso tem a ver com fé para estar na coluna de um padre? Então... Via de regra, é mania da Igreja querer falar sobre tudo. E, quando o assunto é clima, ficou ainda pior depois de Francisco! Saudosa memória do Papa que recordou à Igreja que o cuidado com o meio ambiente não é privilégio de pautas de agendas globalistas. O mundo saiu das mãos de Deus e é fruto de uma escolha de Seu amor (LS 77).

Seja para a fé cristã, seja para o “amor de índio”: tudo que move, o solo, o sono... (tudo isso!) é “sagrado”. É preciso lembrar, com coragem e voz profética, num sentido penitencial e autoreflexivo - já que o acúmulo, o abuso, o desperdício e a exploração são grandes “pecados” contemporâneos - que o primeiro mandamento que YHWH (Adonai, o Senhor) dá ao ser humano é: guardar e cultivar a criação (Gn 2,15).

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

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