Um dos elementos fundamentais em qualquer relacionamento é a confiança. E não é natural, em absoluto, confiar. Somos treinados, desde muito pequenos, a não falar com estranhos, a não comer coisas que a gente não conhece, a não ir a lugares estranhos...
Precisamos confiar, pois a existência humana é tão precária e incerta. Precisamos de segurança afetiva em nossas relações entre pessoas e instituições — ou seja, necessitamos de segurança afetiva para não sermos sufocados pelo medo e pela ansiedade diante do imprevisível.
O imbróglio reside precisamente aqui. Trata-se, na verdade, de um paradoxo: o fato de que as coisas mais consistentes em nossa vida sejam apoiadas no que não pode ser tocado...
Quando a gente escolhe se relacionar com alguém, por exemplo, a confiança é indispensável. Por isso, o amor, quando surge, tem os seus tropeços. Quando o afeto é jovem, costumamos confundir as coisas. Nesse momento, o medo de atualizar lugares de perda, a insegurança sobre si mesmo — projetada no outro como cisma — e a ilusão de que a outra pessoa nos ama “por causa de nós” tendem a atrapalhar muito.
A confiança é uma exigência fundamental do amor. A começar do próprio! Não é à toa que, na perspectiva bíblica, o “bem viver” pressupõe o amor em suas duas chaves de confiança: aquela dirigida a Deus e a que se dirige ao próximo. A Deus, pois é preciso abandonar-se a Ele — apoiar-se firmemente no fato de que nem nossos sentimentos, nem nossa razão, nem nossos bens podem ser garantias duradouras. Ao próximo, pois é o amor a nós mesmos que devotamos aos outros.
Uma pessoa desconhecida de si e do que a atormenta não será capaz de ver o outro de modo afetuoso, justo e genuíno. Até para dar esmola (sabe-se lá Deus o que o outro vai fazer com esse dinheiro!) é preciso ter confiança de que a doação é mais sobre nós e nosso coração — sobre o fato de que o mundo é melhor com caridade e gentileza — do que sobre as ações de outrem.
Os Racionais, dentre os muitos acertos em suas melodias, talvez tenham errado ao dizer que a “confiança é uma mulher ingrata”. Se olharmos mais de perto, em contextos onde a confiança é vital — hospitais, portas de escolas, presídios — veremos que talvez, em sentidos diversos, a desconfiança tenha feições mais masculinas. É mais comum aos homens, não às mulheres, trair, decepcionar, esquecer (até onde colocaram a chave, se observarmos bem...).
Sim, a confiança tem traços femininos — e isso em nada tem a ver com ingratidão! Em suas atribuições femininas necessárias, a confiança é fruto do equilíbrio entre os afetos e a firmeza. Constante na dedicação, o amor das mulheres tende a ter mais prazo de validade. Assim é a confiança: obra do tempo, que atravessa as estações.
Ah, e exatamente como as mulheres, a confiança é algo que se ganha ou se perde na atenção — ou na negligência — dos detalhes.
A confiança, como o amor e como as mulheres, floresce onde há cuidado — e morre não por ingratidão, mas por desatenção.