As crises institucionais se tornaram constantes em nosso país. Pode-se culpar as grandes empresas de tecnologia. De fato, o segredo do sucesso dos algoritmos se deve muito ao fato de que todo mundo fala mal de todo mundo. O Instagram descobriu que “conflito” engaja, que, numa cultura de identidades diluídas, a gente quer se sentir importante emitindo opiniões. As redes sociais, em seu modelo de negócios, “descobriram” que falar mal de política - da esquerda contra a direita, da direita contra a esquerda - é um dos grandes fetiches do capitalismo.
O abismo, porém, talvez seja mais profundo. As instituições não têm vida própria, senão na existência concreta de seus representantes. Sistemas são corrompidos na medida em que as pessoas o são. Parece-nos que nossa crise de civilidade, o usufruto do “público” como se fosse “privado”, o “jeitinho brasileiro” entendido como interpretação ética da realidade, constituem-se como raízes de nossos males.
É claro que tudo isso adquire proporções ainda mais danosas quando os protagonistas são figuras públicas: juízes, políticos, policiais, líderes religiosos. Aqui se insere uma crítica direta, porém respeitosa (como diz Nietzsche, “os desprezadores são os grandes reverenciadores”). O Judiciário, o Parlamento, a Polícia (e a Igreja!) têm se ressentido da perda de relevância e credibilidade. É fato que estamos todos cansados, e isso nos leva a generalizações. Mas também é fato que o tempo parece estar levando consigo certa qualidade moral no uso que fazemos de nossas instituições.
É sempre atual e de provocação ímpar a frase de Juvenal: Quis custodiet ipsos custodes? (quem guarda os guardiões?). Se as sentenças vão e vêm ao sabor dos ventos, em discernimentos contraditórios a depender do clima, como ter certeza de quando o direito resguarda o bem? Se, em nome da defesa, atravessa-se o limite da lei, cerrando os olhos aos “amigos dos amigos”, surgem dúvidas sobre quem define os alvos. Se religião também é business, surge a suspeita de que o culto se torne mera repetição vazia ou cortesia, e de que ambições pessoais desidratem o amor evangélico dirigido aos aflitos e aos pobres.
A desconfiança com relação às instituições - sobre quem vigia aqueles que guardam - é um dos maiores desafios do nosso tempo. Para além dos fatos, com menos emoção e mais razão, não há possibilidade de democracia sem uma última instância exterior, posterior e suprema (ou as querelas se prolongam ao infinito); não há possibilidade de ordem sem polícia, pois não se combate o crime com flores; não há salvação fora da política e fora de um vivo e sincero sentido de comunhão eclesial.
Somem-se às acusações às empresas que ameaçam a soberania e às críticas às hipocrisias institucionais uma autoavaliação profunda sobre nosso próprio uso ou abuso do que é institucional. Faz bem estar atentos às fantasias e às contradições do poder. Um bom antídoto para a corrupção a que estamos expostos no exercício do poder, é a consciência de que fantasmas em nossa história iludimo-nos de que o poder poderá afastar. Há, certamente, muito de abandono, de solidão, de desamparo em nossos gabinetes. Pessoas feridas, ferem. A honra esconde frustrações...
Ah, e sempre que preciso, sobretudo a quem tem a missão de guardar: nunca é demais, um boa dose de “cara de pau”!