Dosimetria. Que palavra interessante. O que antes era quase um “adjunto adnominal” de remédio e agora se tornou conceito no território político, em disputa entre instituições que competem para ver quem consegue acumular mais descredibilidade, é um termo curioso. Sim, permanece válido o dito: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Nossas colunas semanais costumam misturar humor e densidade, política e cotidiano, fé e reflexão. A proposta é essa mesma, porque, na verdade, os contornos da vida nunca são claros. Ou alguém tem dúvidas de que casamentos - não apenas os das alianças políticas - acabam por causa da “alta” dos juros? Sim. Claro. Quando um relacionamento começa a inflacionar os débitos, é sinal de que algo falta ao amor. E, segundamente, como lembra Nelson Rodrigues, “dinheiro compra até amor verdadeiro”. Compra mesmo. Não há dúvidas de que o desequilíbrio financeiro é fator determinante nas brigas de casais.
Sim, é uma questão de dose. Ou, se quisermos, em chave cristã, da virtude da temperança. Na perspectiva de Tomás de Aquino, a temperança é a virtude que modera nossos apetites, ordenando-os segundo a razão. É ela que nos ajuda a encontrar proporção, dosagem, limite.
Essa bagunça na política é fruto da desproporção, das fantasias, do apego às próprias ideologias, da sede de poder. E nós, brasileiros, ficamos para lá e para cá, oscilando entre flertes autoritários e o escárnio do preço do crime comprando veredictos.
Essa bagunça também transborda para a vida privada. Nunca fomos tão gulosos de futilidades, tão consumistas, tão iludidos de que o excesso realiza. Nunca fomos tão desproporcionais no ressentimento, dissolvendo relações genuínas - na vida conjugal, por exemplo - pela simples incapacidade de ceder.
O Narciso se excede: vaidoso, excessivo, “fora da caixinha”, seja em Brasília ou aqui.
Falta-nos hoje, talvez como nunca antes, continuidade, profundidade, direção. Ah, e desconfiança de tudo aquilo que, em nossa vida, se apresenta como excesso: seja opinião, comida, trabalho, sexo… Como lembra o texto bíblico, “um abismo atrai outro abismo” (Sl 42,7).
Vem a calhar, na busca pelo “tempero”, pela “dosagem”, pela “temperança”, o pensamento agostiniano (citando aqui também, para ficar bem com o CEO da empresa, o Papa): o erro dos homens está em amar o que não deve ser amado ou em amar mais do que se deve aquilo que deveria ser amado menos.
O amor aloprado pela ordem produz moralistas hipócritas; o amor deslumbrado pela própria autoridade fabrica tiranos; o amor desordenado pelos próprios afetos deságua num casamento insuportável.
Dose, tempero, dosagem, temperança…