A alma do Brasil, e a garganta, foi atravessada de dor nesta semana. As cenas dos tiros, das lágrimas, dos corpos no morro gritam que falhamos! O país se divide em opiniões e ideologias. Há razões legítimas para se indignar de ambos os lados. É fato que ninguém aguenta mais tanta insegurança e a impunidade dos crimes. É fato que não é o “cano da arma” que fará justiça. Os maiores criminosos estão bem distantes dessa carnificina.
Nosso senso de justiça, a dignidade humana, os valores cristãos - dos quais, por vezes, até com certa hipocrisia, nos orgulhamos - não nos permitem pensar em soluções rápidas nem em vingança, mas nos convocam ao protesto, às lágrimas, à compaixão. O grande dano colateral de operações como essa é que todos perdemos: os heróis da polícia, os que - embora bandidos - tiveram sua vida barbaramente ceifada, as mães, cujo coração sangra pela perda dos filhos, os moradores da favela, que vivem sem paz...
Não podemos transformar a luta pela justiça num cálice de ódio! A violência, desde Caim e Abel, fez irmãos se tornarem homicidas! Nossa falta de senso de orientação histórica nos leva a esquecer que os morros do Rio são frutos da eugenia, do racismo, da miséria que expulsou as pessoas negras - sobretudo! - para longe de Copacabana e do asfalto. A gente se esquece de que PCC e Comando Vermelho são filhos bastardos da violência do Estado do Carandiru! Quando a violência e a criminalidade explodem, elas não são o mal número um...
Operações como essa mostram que o crime é organizado. Nosso Estado, ainda não. Eis o drama: o crime se organiza; o Estado ainda não se humanizou. Se é óbvio que o Comando Vermelho precisava de uma imediata contenção, também é óbvio que essa quantidade de pessoas mortas desrespeita tratados e preceitos constitucionais!
Nossa coluna da semana é fruto também de indignação cristã. Porque é questão de fé lutar pela justiça! A fé não é questão apenas de rito ou de culto. Se ela é alegria, é também compromisso. Parafraseando Levinás, em sua Ética da Alteridade, em que o rosto do outro, para além de qualquer pretexto e contexto, grita “não matarás!”, convoca nossa consciência. Em termos levinasianos, se a tragédia do Rio não é culpa nem sua nem minha, ela é responsabilidade nossa!
“Bandido bom é bandido morto”, diz o insensato! Em perspectiva humana e cristã, o céu foi aberto para acolher a conversão do bandido (Lc 23, 42-43)...
Apelo à Senhora do Morro, de Heriveldo Martins, que interceda pelos filhos de Deus... Lá no morro o barracão é de zinco - que não seja furado de tiros. Se não há pintura, que não falte a textura da compaixão. Se não existe felicidade de arranha-céu, que se escute o clamor da violência e da miséria, do sangue que clama da terra e sobe para junto de Deus (Ex 22, 21-23)...
Ave, Senhora do Morro, não queremos o grito de quem tomba em combate por causa do crime, nem o clamor dos inocentes! Queremos a sinfonia dos pardais... O morro, de novo, escurece. A Deus elevamos nossa prece: Ave Maria!