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Mineira é presa no Camboja após aceitar proposta de emprego; família suspeita de tráfico humano

Daniela Oliveira está presa desde março no país asiático; família busca ajuda de ministério

Daniela Oliveira, de 35 anos, está presa no Camboja

Uma mineira, de Belo Horizonte, está presa no Camboja depois de aceitar uma proposta de trabalho no país asiático. A família suspeita de tráfico humano e conta que ainda não conseguiu ajuda com o Ministério das Relações Exteriores.

Daniela Oliveira, de 35 anos, é belorizontina e se formou em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2013.

A Itatiaia conversou com a mãe de Daniela, Myriam Oliveira. Segundo ela, a arquiteta tinha dificuldades de encontrar bons empregos no Brasil, encontrou uma vaga no país asiático e decidiu apostar na oportunidade.

“Ela queria a independência dela. Pesquisando [na internet] surgiu essa vaga para ir para o Camboja. Ela ainda me perguntou: ‘Mãe, você iria?’. Eu falei: ‘De jeito nenhum’”, contou.

Daniela Oliveira, de 35 anos, está presa no Camboja

Myriam relatou que elas chegaram a pesquisar sobre o país e souberam do caso de brasileiros aprisionados no Camboja. “Mostrei para ela e ela entrou em contato com o pessoal [da vaga de emprego]. Só que eles distorciam [a história], né? Colocavam a história de uma forma que favorecia a eles”, relatou.

A proposta recebida por Daniela incluía trabalhar em Phnom Penh, capital do Camboja, na área de telemarketing, recebendo cerca de 2.000 dólares (R$ 10 mil, na cotação atual). O combinado era de que a empresa pagaria as passagens, hospedagem e alimentação.

Ida para o Camboja

No fim de janeiro de 2025, a mulher decidiu aceitar a proposta e se mudar para o Camboja. “E aí, ela foi. Eu chorei muito, mas não adiantou”, lembra a mãe.

Myriam ainda conta que recebeu um último ‘aviso’ de que a filha não deveria embarcar. Daniela fez uma conexão em São Paulo e a empresa área pediu um comprovante de vacinação contra a febre amarela, que ela não tinha disponível. Foi nesse momento que a mãe avisou pela última vez para a filha de que seria um ‘sinal’ para ela não se mudar, mas Daniela conseguiu o documento e seguiu viagem.

Na chegada ao país asiático, mais problemas. Daniela compartilhava a localização em tempo real com a mãe, que desconfiou do local. Segundo ela, não havia nada nas proximidades e a estrutura do alojamento era precária.

Com o passar dos dias, os contatos entre Myriam e a filha foram ficando menos frequentes. Myriam tentava manter contato do Brasil, mas recebia poucas respostas e o relato da filha de que quando começava a trabalhar não podia mexer no celular ou no computador.

Prisão

No último sábado de março (29), Myriam relatou que recebeu uma mensagem da filha dizendo que estava triste.

Depois, Myriam chegou a pedir que a filha ligasse para ela para conversarem, mas Daniela desviava da conversa. A mãe desconfiou porque a filha escrevia de uma forma diferente, com muitos erros de digitação.

Pouco depois, a outra filha de Myriam, Lorena Oliveira, entrou em contato com ela dizendo que a irmã havia saído da empresa e que precisava pagar a rescisão do contrato, já que tinha assinado um contrato de um ano com a empresa.

A rescisão custava 4.000 dólares (R$ 21 mil, na cotação atual). No final, com as cobranças, a família pagou um total de R$ 27 mil.

Cerca de três dias depois do contato, Daniela ligou para a família dizendo que havia sido detida. Policiais teriam encontrado três cápsulas de alguma droga no banheiro da brasileira, e ela foi levada apenas com a roupa do corpo para a delegacia. Dias depois, ela foi transferida para a penitenciária de Sisophon, quase na fronteira com a Tailândia.

Sisophon está quase na fronteira com a Tailândia

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Família questiona suporte

Myriam entrou em contato com o Itamaraty e contou que recebeu o retorno de que deveria procurar a embaixada do Brasil em Bangcoc, na Tailândia, que atualmente responde pelas atividades diplomáticas no Camboja.

A mãe chegou a mandar e-mails para a embaixada de Bangcoc e questiona que não recebeu respostas. Myriam também fez contato com a Defensoria Pública e dos Direitos Humanos Internacionais. Segundo ela, os órgãos levantaram a hipótese de que houve crime de tráfico humano.

O Itamaraty, em nota enviada à reportagem, afirmou que “tem ciência e presta toda a assistência consular possível aos brasileiros vítimas do tráfico de pessoas no Sudeste Asiático, além de atuar de forma proativa em iniciativas de prevenção”. Leia a nota na íntegra ao final da matéria.

O Brasil, inclusive, está em processo de instalação de uma embaixada na capital do Camboja, como parte da estratégia do governo Lula de ampliar a presença na região. O nome da embaixadora já foi escolhido e aprovado no senado e faltam apenas trâmites burocráticos para o início da operação.

Doente

Daniela mantém contato com a mãe a cada 15 ou 20 dias. Na última conversa, a mulher contou que está se sentindo mal e que só foi levada para atendimento médico depois de muita insistência.

Daniela Oliveira, de 35 anos, está presa no Camboja

O lugar, de acordo com Daniela, era “horroroso”. Ela contou para a mãe que a médica pediu apenas para que ela se deitasse, e ela teve o DIU (Dispositivo Intrauterino) retirado. A profissional também passou um remédio para a brasileira, que seria para bactérias.

Agarrada à fé

Myriam está no Brasil e recebe a ajuda dos filhos, Lorena e Gabriel, para tentar trazer Daniela de volta. Enquanto isso não acontece, ela recorre à fé.

“Acho que nós só temos Deus mesmo. É só fé", disse, emocionada.

Leia a nota do Itamaraty na íntegra:

“O Ministério das Relações Exteriores tem ciência e presta toda a assistência consular possível aos brasileiros vítimas do tráfico de pessoas no Sudeste Asiático, além de atuar de forma proativa em iniciativas de prevenção.

Desde a identificação dos primeiros casos de tráfico para a região, em 2022, foi publicado alerta consular a respeito do aliciamento de brasileiros, ainda disponível no Portal Consular ( https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/alertas%20e%20noticias/alertas/myanmar-aliciamento-de-brasileiros-contratos-de-trabalho).

Em fevereiro de 2025, foi publicado novo alerta ( https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/alertas%20e%20noticias/alertas/trafico-de-pessoas-para-o-sudeste-asiatico), assim como nota à imprensa ( https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/trafico-de-pessoas-no-sudeste-asiatico), sempre com o objetivo de ampliar a conscientização pública sobre esse grave ilícito transnacional.

O Ministério participa ativamente do IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, no âmbito do qual foram elaborados materiais informativos, como a cartilha “Orientações para o Trabalho no Exterior” ( https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/alertas%20e%20noticias/noticias/lancamento-da-cartilha-orientacoes-para-o-trabalho-no-exterior) e o folheto informativo sobre o procedimento de repatriação de brasileiros em possível risco de tráfico de pessoas ( https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/alertas%20e%20noticias/alertas/myanmar-aliciamento-de-brasileiros-contratos-de-trabalho/folheto_orientacao-repatriacao-e-retornados.pdf).

A Embaixada do Brasil em Bangkok tem conhecimento do caso citado e vem realizando gestões junto ao governo cambojano e prestando a assistência consular cabível, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Consulares e com o Protocolo Operativo Padrão de Atendimento às Vítimas Brasileiras do Tráfico Internacional de Pessoas, em linha com as mais modernas práticas internacionais.

Em 2024, foi prestada assistência a 63 brasileiros em situação de tráfico de pessoas, dos quais 41 no Sudeste Asiático. Ressalta-se, porém, que, em respeito ao direito à privacidade e em observância à Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e ao decreto nº 7.724/2012, o Itamaraty não divulga informações sobre a assistência prestada em casos individuais.
Quanto a investigações em curso sobre o aliciamento de cidadãos brasileiros, sugere-se o encaminhamento da consulta à Polícia Federal.

O Ministério das Relações Exteriores, por meio de sua rede consular, permanece à disposição dos cidadãos brasileiros no exterior para prestação de assistência consular, especialmente em casos emergenciais. Para conhecer as atribuições das repartições consulares do Brasil, recomenda-se consulta à seguinte seção do Portal Consular do Itamaraty: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/assistencia-consular”

Formada pela PUC Minas, é repórter da editoria de Mundo na Itatiaia. Antes, passou pelo portal R7, da Record.