Restando dois minutos para o fim do primeiro tempo, Cauã Soares recebeu o cruzamento de Kauã Pascini, cabeceou e estufou as redes. O gol da esperança. Era o segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro Sub-17, e o Atlético tinha a missão de reverter um agregado de
Cauã tinha apenas cinco anos de idade quando o Atlético conquistou a Copa Libertadores e passou a ser conhecido como o time das viradas impossíveis. Natural de Montes Claros, filho de uma mãe cruzeirense e de um pai flamenguista, o garoto se tornou atleticano em 2013 e soube ali a essência do mantra “Eu acredito”.
A missão ainda era difícil na volta do intervalo. O Atlético precisava fazer pelo menos mais dois gols para levar a decisão para a disputa de pênaltis. Quando, aos 17 minutos, Wallyson Mosquito acertou o travessão. Mais uma vez, o impossível insistia em bater na porta. Até que, no rebote, o camisa 9 apareceu de novo. Cauã levou a bola para o fundo das redes e colocou o Galo a um gol do empate.
O tão esperado tento foi aparecer apenas aos 49 minutos da segunda etapa, num golaço de Ronaldo. Nos pênaltis, Cauã abriu o placar e todos do Atlético converteram suas cobranças. O Grêmio perdeu duas e, então,
Time do Atlético erguendo o título do Campeonato Brasileiro Sub-17 na Arena MRV
A origem
A história de Cauã Soares, um dos heróis da conquista, começa antes mesmo de ele nascer. Para contá-la, é preciso voltar a 1993, ano em que o ex-atacante Dandão passou em uma peneira no Cruzeiro.
Alexandre Soares, mais conhecido como Dandão, é carioca e pai de Cauã. Ele iniciou a carreira na base do Botafogo, onde ficou até os 16 anos. Depois, passou por um hiato de três anos sem jogar em um clube, apenas se aventurando no futebol de várzea. Aos 19, ele foi visto por um senhor enquanto disputava um campeonato amador e o convidou para fazer um teste no Cruzeiro.
Ele encarava aquela como sua última oportunidade, já que estava em uma idade considerada avançada para ingressar em categorias de base. Dois dias após o convite, Dandão chegou a Belo Horizonte e foi aprovado com 15 minutos de treino. O treinador que o avaliou era Eugênio Salomão, mais conhecido como Baiano.
Na base do Cruzeiro, Dandão foi contemporâneo de Ronaldo, o Fenômeno, que aos 16 já atuava com jogadores três anos mais velho que ele. Juntos, eles foram campeões da Taça Minas Gerais e da Taça BH. Ao final da temporada, Alexandre subiu para o profissional e foi emprestado a três times: Montes Claros (disputava a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro em 1994), Luziânia (para disputar o Campeonato Goiano) e Gama, de Brasília.
Dandão e Ronaldo no Cruzeiro
Dandão retornou ao Montes Claros em 1997, já em definitivo. Àquela altura, o time já estava na Primeira Divisão do Campeonato Mineiro. Após um bom Estadual, o então atacante teve uma passagem pelo Atlético. Na época, o treinador era Eduardo Amorim, que já o conhecia dos tempos de Cruzeiro. Ele foi emprestado ao Galo e chegou a jogar uma partida contra o América. Só que, depois de dez dias, Eduardo Amorim foi dispensado e Emerson Leão, o novo treinador, não quis ficar com o então atleta e o dispensou.
Ele voltou para o Montes Claros, time que não tinha mais jogos marcados para aquele ano. Foi quando recebeu um telefonema de um amigo da época em que jogava no Luziânia.
“Ele me perguntou se eu tinha interesse de ir para a Grécia. Eu falei que sim. Não sabia nem onde era, mas era a oportunidade da minha vida. Pagaram um dinheiro ao Montes Claros, que me liberou para jogar na Grécia”, conta Dandão, à
Velho Continente
O brasileiro foi se aventurar na Europa em novembro de 1997, época de inverno no Velho Continente. Ficou lá por 13 anos, oito e meio na Grécia e mais quatro na Ilha de Chipre, onde também se fala grego.
“Foi complicado. Saí do Brasil com 40 graus, cheguei lá com zero graus. Não sabia falar nada de inglês, muito mal o português. Fui me adaptando, me esforçando e com um ano lá eu já dava entrevista em grego. Não fiz aula, a aula era o dia a dia com os gregos”, diz.
“Eles falavam comigo e eu ia anotando num papel. Ia para a rua, saía para tomar café com os amigos gregos com um papel e caneta na mão, ia anotando tudo. Acabei montando um repertório de 100 palavras, gravei e saía montando frase”, completou.
O primeiro clube de Dandão na Grécia foi o Kalamata, que tinha um presidente grego, mas que falava português. “O cara tinha uma gratidão eterna pelo Brasil porque tudo que ele conseguiu na vida foi em Minas. Ele catava diamantes. Ele chegou no Brasil com 15 anos e só tinha o dinheiro que recebia por semana. Ele conquistou tudo aqui”, relata Dandão.
Após três anos, Dandão foi para o AEK, clube de nome na Grécia que frequentemente jogava eliminatórias para a Champions League e Copa da Uefa. Enfrentou nomes conhecidos do futebol mundial, como Rivaldo, Giovanni (ex-Santos), Zé Elias (ex-Corinthians) e Christian Karembeu (zagueiro campeão mundial com a França).
Da esquerda para a direita: Rivaldo (Olympiacos) e Dandão (AEK)
O brasileiro ainda passou por:
- OFI Crete (Grécia)
- Anorthosis (Chipre)
- Alki Larnaca (Chipre)
- Ermis Aradippou (Chipre)
- Chalkanoras Idaliou (Chipre)
Durante esse tempo, Renata Campos, esposa de Dandão engravidou do seu segundo filho, que viria a ser Cauã. Pela falta de rede de apoio no Velho Continente, ela decidiu voltar ao Brasil para o nascimento do menino. “O Cauã cobra ela ‘pô mãe, era para eu ser grego e ter passaporte europeu’. Aí ela fala ‘mal sabia que você jogaria bola, meu filho’”, brincou o pai da promessa atleticana.
Dandão voltou para o Brasil e decidiu encerrar a carreira no Funorte. Depois montou um centro de treinamento em Montes Claros para trabalhar com escolinha de futebol. No ano seguinte, o Montes Claros o convidou para se despedir oficialmente disputando a Terceira Divisão do Campeonato Mineiro. Dandão aceitou o convite e pendurou as chuteiras novamente, com o acesso para a Segunda Divisão.
A chegada de Cauã
Cauã já nasceu com a bola na mão, segundo o pai. Foi o primeiro e último brinquedo dele. Quando chegava em casa depois do trabalho, cansado, Dandão ainda encontrava energia para montar um golzinho na sala para seu filho chutar.
Aos três anos Dandão decidiu treiná-lo na sua escolinha. Porém, só tinha turma a partir dos seis anos.
“Ele queria, ficava chorando querendo jogar com os meninos. Só que ele era muito pequeno. A diferença de três para seis anos fisicamente é muito grande. Mas não tinha jeito. Ele entrava, jogava com os meninos, tomava pancada e eu falava para ele ‘não chora’ e ele engolia o choro. No meio dos meninos mais velhos, ele já fazia a diferença. Desde os 11, ele nunca jogou com menino da idade dele”, conta o ex-jogador.
Dandão com os filhos Yanne, Luís e Cauã em preparação para a peneira no Atlético
O pai conta que Cauã é atleticano. Ele se apaixonou pelo Galo durante a Libertadores de 2013 e, até hoje, chora quando o Alvinegro perde um jogo decisivo.
“A gente ficava em casa assistindo aos jogos, aquelas emoções que só o Galo proporciona, e tínhamos um vizinho de muro que, quando o adversário fazia gol, gritava ‘chupa Galo’. Provavelmente era um cruzeirense. E quando o Galo fazia gol, a gente ia para o muro e começava a gritar. A partir dali o Cauã tomou uma paixão pelo Atlético imensurável”, continua Dandão.
Dandão e Renata tiveram dificuldades para segurar a ansiedade de Cauã para fazer peneira. Aos oito anos, ele via amigos fazendo testes nos clubes e crescia a vontade de tentar. Aos dez recebeu propostas do Athletico-PR e do Santos, mas, por ser mais próximo, os pais decidiram levar o garoto ao Atlético.
A peneira, no entanto, não definiria o futuro de Cauã. Isso porque os pais não viam condições de deixar o filho no Atlético sozinho. “A gente estava trabalhando e a nossa vida era em Montes Claros. Não faríamos a loucura de largar tudo”, diz Dandão.
Mesmo assim, Cauã quis ir para testar o seu nível. No segundo dia de peneira, Baiano, o mesmo que aprovou Dandão na base do Cruzeiro, chamou o pai do garoto, disse que seu filho estava aprovado e que era para a família se programar para morar em Belo Horizonte.
Ao voltarem para Montes Claros, Dandão e Cauã foram falar com Renata, e a resposta foi: “Fora de cogitação, o menino tem escola e não quero nem conversa”. E assim foi feito. Eles não voltaram.
O Atlético insistiu, e Dandão pediu um tempo para convencer a esposa. Após a insistência dele e do filho, Cauã foi morar em Belo Horizonte. Como os pais não tinham condições de largar tudo para se mudar para a capital, sobrou para o avô, Antônio Alcides leite, morar com a jovem promessa na capital. Três anos depois, o atacante ingressou ao sub-14 do Atlético, e então Dandão e a esposa decidiram se mudar para BH.
Fome e vontade de comer
Cauã é um camisa 9 nato. Sabe flutuar no campo, recua para participar do jogo, abre espaço para os companheiros e faz um ótimo pivô, sustentando a pressão dos adversários. Mas o seu forte é dentro da área. Precisa apenas de um ou dois toques para colocar a bola nas redes e ataca muito bem pelo alto.
Desde 2023, o jogador participou de pelo menos 24 gols por temporada. Veja números:
- 2023 - 47 jogos; 25 gols; 10 assistências
- 2024 - 53 jogos; 19 gols; 9 assistências
- 2025 - 42 jogos; 22 gols; 2 assistências
Além disso, Cauã é o autor do primeiro hat-trick da Arena MRV, inaugurada em abril de 2023. Ele marcou três gols na goleada por 6 a 0 sobre o Juventude, em 30 de julho de 2025.
O artilheiro atleticano é gerenciado pela Fatto Gestão, que foi responsável por cuidar da carreira de grandes nomes do futebol brasileiro, como Henrique e Thiago Neves, ex-jogadores do Cruzeiro.
Cauã conta com uma estrutura complementar da Fatto Gestão desde 2019, quando chegou no Galo. Ela conta com:
- Aulas de inglês
- Psicólogo
- Nutricionista
- Coach desempenho
- Fisioterapeuta
- Analista de desempenho
Momento em que Cauã assinou contrato com o Atlético
Após o título do Campeonato Brasileiro Sub-17, Cauã subirá à categoria sub-20. A intenção é chegar no profissional e não descer mais. Mas clubes europeus estão de olho na joia atleticana. Representantes de times da Itália, França e Inglaterra estavam acompanhando a final contra o Grêmio. Além disso, três clubes já fizeram contato com os agentes do jogador para fazer um acompanhamento.
Entretanto, o objetivo de Cauã, dos representantes do jogador e da família do atleta é chegar ao profissional e vestir a camisa 9 do time principal do Atlético. Existe, inclusive, a possibilidade do atacante de 17 anos subir para treinar com os profissionais ainda este ano.
Em outubro de 2024, Cauã assinou contrato profissional com o Atlético, válido até 2027, podendo renovar por mais um. O vínculo conta com uma multa rescisória de 60 milhões de euros (R$ 375 milhões).
Cauã reúne duas das maiores carências do Atlético: um ativo valioso da base e um camisa 9. Nos últimos dois meses apenas dois gols do time principal atleticano foram marcados por atacantes. O brilho na virada dramática contra o Grêmio é a semente para uma história que une gerações do futebol e que é bastante promissora.
“Eu já vivi muitos momentos bacanas no futebol, de emoções e realizações. Mas quando você vive isso com o filho é surreal, inexplicável. É muito especial. É muito melhor do que quando eu estava dentro de campo. É um sentimento muito diferente”, conta Dandão.
“A minha esposa chorou o jogo todo. Só de ver ele dentro de campo, cantando o hino nacional… Via que ele estava muito focado no jogo, ela já chorava. Eu segurei um pouco mais, mas na hora do primeiro gol eu desabei. Eu sou muito difícil de chorar, dá para contar nos dedos quantas vezes eu chorei. Foi um momento que chorei muito. Foi muita emoção”, completa.
A família, que, antes era composta por dois torcedores de times rivais, agora é atleticana.
“Já viramos atleticanos. Quando joga Galo e Flamengo eu torço contra o Flamengo. Se as coisas andarem bem no profissional vai ‘espirrar’ na base. Fico nervoso mais com o Atlético do que com o Flamengo. Minha esposa é cruzeirense doente e hoje vai para o estádio e canta o hino do Galo. Já fazem seis anos. No início teve resistência nossa, mas já há alguns anos já largamos isso. Torcemos para o time que meu filho estiver.”