Anitta se tornou um dos assuntos mais comentados esta semana ao reaparecer nas redes sociais exibindo
Nas redes sociais, a revelação da “nova” Anitta gerou discussões que vão desde gostos pessoais — se ela ficou “bonita’’ ou ''feia’’ — a críticas por mudanças tão profundas na aparência e às várias intervenções que ela já fez. Mas os impactos desse tipo de mudança não se restringem à artista: podem atingir diretamente a autoestima das mulheres, coletivamente.
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“Quando figuras públicas, como a Anitta, aparecem com transformações físicas muito evidentes, isso impacta diretamente o imaginário coletivo. As mulheres, principalmente na faixa dos 30 anos, que já estão lidando com mudanças naturais do corpo e da mente, podem começar a se cobrar excessivamente. O perigo está em acreditar que essa perfeição é um requisito”, disse o psicólogo, Alexander Bez, especialista em Relacionamentos pela Universidade de Miami e em Ansiedade e Síndrome do Pânico pela Universidade da Califórnia.
Ele explica que, quando uma famosa altera a aparência, a sociedade comenta, cobra, admira, e essa pressão retroalimenta o comportamento. "É uma troca simbólica de validação. A cultura da perfeição acaba exigindo uma performance constante de beleza, como se fosse impossível envelhecer ou ter dias ruins. E isso não é humano”, acrescentou.
De onde vem esse padrão?
De acordo com a Ana Sharp, pedagoga e pesquisadora em educação, com mais de 20 anos de atuação, a percepção das mulheres sobre o próprio corpo é distorcida desde cedo — com mulheres cada vez mais jovens procurando recursos estéticos. “Você tem hoje em dia muitos tratamentos que são chamados de ‘preventivos’. Então você vê meninas de 20 já aplicando botox para evitar rugas de expressão, que fazem parte da nossa vida, que vão marcando a nossa pele, o nosso rosto, o nosso corpo, como consequência do que é estar vivendo”, explicou.
O psicólogo Alexander Bez chama atenção para a perda de identidade quando nos deparamos com famosas com rostos muito similares.
“Essa perda acontece quando a mulher se distancia de quem ela realmente é, tentando se moldar a padrões externos que, muitas vezes, são irreais. Quando se faz uma mudança estética apenas para atender à expectativa dos outros, há um enfraquecimento da autoimagem. A identidade se constrói a partir do autoconhecimento e da valorização interna. Quando essa base é frágil, qualquer mudança externa, por mais bem-sucedida que pareça, pode gerar insegurança, sentimento de inadequação ou até um vazio emocional”
De acordo com a Ana, muitas mulheres passam a enxergar uma característica única — como dentes separados ou nariz grande — como um defeito, simplesmente por não se enquadrar no padrão estabelecido.
E esses padrões, que mudam com o tempo, hoje refletem a influência da cultura do pornô, segundo Ana. “Uma mulher branca, magra, jovem, porém com peitos grandes, com lábios carnudos, com tudo que induza e que demonstre uma disponibilidade sexual vista no pornô", disse. Ela ainda destaca que, hoje, esse ideal está inserido na cultura pop, amplamente massificado. “A gente vai naturalizando esse comportamento”, acrescentou.
Acessível e rápido
Se, antes, para fazer um procedimento, era necessário desembolar um dinheiro que pouca gente conseguia, hoje, intervenções são mais acessíveis e vendidas como “simples”, o que, segundo os especialistas, leva muitas pessoas a tomar essa atitude sem se questionar sobre as razões.
“O imediatismo virou uma armadilha emocional. As pessoas querem soluções rápidas para dores profundas, e isso não existe. A ideia de que basta emagrecer ou mudar o nariz para se sentir feliz é uma ilusão que, muitas vezes, esconde inseguranças não trabalhadas. É claro que se cuidar é importante, mas o cuidado deve vir do amor-próprio, não da pressa ou da comparação”, explicou o psicólogo.
Para Alexandre, o problema está em como a sociedade vende esses procedimentos como fórmula para a felicidade. “Quando a aparência se torna o único pilar da autoestima, qualquer imperfeição vira uma ameaça.” Ou seja, o efeito pode ser justamente o contrário: “Isso pode gerar uma desconexão entre a imagem real e a imagem idealizada, afetando a autoestima, a confiança e até desencadeando quadros de ansiedade ou distorção da autoimagem”, explicou o psicólogo.
Empoderamento?
Especialistas concordam que a solução não está em julgar ou culpar as mulheres que fazem intervenções estéticas.
“A conversa não deve ser sobre criticar a mulher que optou pelo procedimento. Essa discussão coloca mulher contra mulher, em vez de direcionar a crítica ao sistema. Ninguém é moralmente superior por fazê-lo ou não.”
Anitta já falou publicamente sobre as mudanças na aparência. “Todos os procedimentos que fiz foram muito pensados e planejados. Sou sempre muito responsável com isso”, afirmou em 2024, em entrevista para O Globo. “Felizmente, sempre fui muito cara de pau e banquei minhas escolhas estéticas diante do público”, concluiu. Ontem, após publicar a novidade, a cantora decidiu por restringir os comentários da postagem das redes sociais.
O problema não é a mulher ficar feliz com os resultados. Para Ana, a armadilha é associar essa escolha a um ato de liberdade ou até mesmo de empoderamento feminino. Isso porque essa escolha não é tão simples. Para ela, esse comportamento é uma resposta ao padrão imposto por uma “indústria misógina e milionária”.
“É uma escolha genuína ou a incapacidade de resistir à pressão? Afinal, é realmente muito difícil não ceder.”
A saída, segundo Sharp, passa pela conscientização das mulheres para questionar esse padrão e se unirem para combater o problema. “Só então a escolha estética poderá ser, de fato, individual — e não uma exigência ou condição para sermos valorizadas por um olhar construído justamente para nos moldar. A transformação de um problema coletivo precisa ser resolvida coletivamente”, acrescentou.