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Padre Fábio de Melo abraça luto da perda da mãe em ‘A Vida É Cruel, Ana Maria’

Sacerdote se reapresenta como filho de dona Ana Maria em primeiro livro sob o selo da Editora Record

Padre Fábio de Melo lançou o novo livro “A vida é cruel, Ana Maria: Diálogos Imaginários Com Minha Mãe”, em Belo Horizonte, nessa quinta-feira (10). A obra é a primeira publicada pelo sacerdote através da Editora Record, mas se une a mais de 15 publicações já feitas por ele nos 52 anos de vida. Diferente das anteriores, ela não surge a partir de um olhar de sacerdote, mas de um filho que perdeu a mãe.

“Eu acredito que a vida é cruel, Ana Maria é o texto mais visceral que eu tenho, é o que mais me desvenda, que mais me revela porque me mostra a partir dela. Quando eu conto um pouco da história da vivência da minha mãe, daquilo que eu percebi da vivência dela ao meu lado, eu estou contando a minha história também”, revelou à Itatiaia em conversa durante passagem pela capital mineira.

Morte de dona Ana Maria

Padre Fábio de Melo perdeu a mãe em decorrência de complicações da Covid-19, em 2021. Dona Ana Maria de Melo tinha 83 anos e, conforme compartilhado pelo padre à época, partiu “como quem tem pressa de viver a eternidade”. A mãe do religioso ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, por 12 dias, até a morte em 27 de março. “A perda da minha mãe foi extremamente dolorosa pelo contexto da doença”, contou.

Relembrando o período pandêmico, Fábio destacou o medo constante da doença e o agravante de não poder se despedir como de costume, situação enfrentada por milhares de famílias brasileiras. “Eu me solidarizo muito com todo mundo que perdeu alguém durante a pandemia, porque nos faltou a possibilidade de fazer os rituais que nos permitem a despedida, que são muito importantes na elaboração do luto. A finitude, durante o período da pandemia, nos adoeceu, nos assustou, porque todos nós estávamos na mira do vírus.”

Lidando com o luto

Fábio afirmou que a conhecida “ordem da vida” que considera que filhos devem estar preparados para se despedir dos pais, não foi suficiente na despedida. “Eu acredito que a preparação é uma observação da finitude. Quando você vive atento à finitude do outro, à sua própria finitude, você, de alguma forma, vai se preparando. Quando acontece, você identifica que não existe preparo nenhum possível para isso. É uma dor muito cruel.”

Imerso na dor do luto, definido como “o mais difícil que já viveu”, o religioso se dedicou a um projeto quase esquecido. “Eu acho que escrever o livro foi uma forma de purgar um pouco a dor, é claro. Ele já tinha sido começado em 2012, era um projeto antigo, mas eu, de fato, peguei para terminar nos últimos seis meses, depois de quase dois anos da morte da minha mãe”, contou padre Fábio de Melo à Itatiaia.

A forma encontrada pelo religioso para encarar a ausência foi a escrita. “Eu perdi meu pai, perdi duas irmãs, aliás, as duas de forma muito trágica. E posso dizer que o luto da minha mãe é o mais doloroso, porque não é só a morte de uma pessoa, é a morte de um significado. Você perde muitas pessoas numa só. A mãe representa muita coisa na vida da gente. Ela é praticamente uma multidão, então acredito que a escrita é também uma forma de elaborar o luto.”

Descobertas

Para Fábio, lidar com memórias figurou um desafio na hora de compor a obra. “Escrever o passado é muito difícil, porque você precisa lidar com o que você lembra. Muitas vezes, o que nos lembramos ou é fantasioso e não foi exatamente daquela forma, ou a gente deprecia, a palavra empobrece. A vivência foi muito interessante, revisitando experiências. Acabou me disciplinando muito na minha lida com a memória”, relatou sobre o livro, no qual conversa com a mãe sobre várias vivências, incluindo o seminário em Lavras, no interior de Minas Gerais.

O religioso afirma que, escrevendo sobre a história da mãe e da própria vida, chegou a “algumas conclusões difíceis”, sendo uma delas sobre a infância pobre também no interior do estado. "[Precisei] ter coragem de dizer que eu não tive uma infância feliz. Percebi que, durante muito tempo, eu romantizava, dizia que foi tudo bem, mas não foi. O livro me deu condições de olhar o passado e ver que aquilo tudo foi muito cruel para mim, que uma criança não pode ser exposta àquele tipo de contexto”, destacou padre Fábio de Melo.

Maria Clara Lacerda é jornalista formada pela PUC Minas e apaixonada por contar histórias. Na Rádio de Minas desde 2021, é repórter de entretenimento, com foco em cultura pop e gastronomia.


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