É como um bumerangue. Sempre que recebe, Gabriel Marcos devolve a pergunta: “Por que não um musical?”. O questionamento recorrente é sobre seu mais novo filme, “No Início do Mundo”, que estreia nesta quinta (18), com exibição gratuita, às 19h, no Cine Teatro Popular de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte.
Ele admite que a ideia de realizar um musical na periferia sempre foi tratada como tabu, e foi justamente o espírito de transgredir esse cenário que o levou adiante. Gabriel chegou a realizar diversos musicais de teatro na rua, para arrecadar mantimentos, na periferia de Nova Contagem, onde ele foi criado. “Quando me apaixonei pelo cinema, se tornou um objetivo mostrar que somos capazes”, sublinha.
O trabalho de conclusão de curso do cineasta também foi sobre musicais, ou seja, ele é versado na área. Outra característica que o entrega é a de não se contentar com o senso comum. “Meus musicais são diferentes do convencional, do estadunidense, ele é bem regional, utilizo gêneros como blues, rap e R&B. A narrativa também muda.
Em seu filme, “ninguém se levanta e começa a cantar do nada”. A música atua como condutora da história, mas de maneira mais natural, o que, segundo ele, agrada tanto as pessoas aficionadas pelo gênero quanto as que têm alguma restrição.
Trama. “No Início do Mundo” aborda a trajetória de dois jovens da periferia, Vitor e Katlyn, que lutam contra a falta de perspectiva da realidade social e geográfica. “O projeto se originou da minha vivência com alguns amigos que cresceram comigo em Nova Contagem, dentro de um ambiente religioso que pode muitas vezes ser repressor quanto aos desejos, sonhos, a descoberta da sexualidade”, conta Gabriel.
A ausência dos pais, a dificuldade financeira da marginalidade imposta pela periferia, tudo isso, de acordo com o diretor, “gera um amadurecimento um pouco precoce da juventude”. Outro impulso foi o de colocar Nova Contagem na tela com uma tinta diferente da que costuma ser pintada.
“Nova Contagem aparece pouco na mídia e, quando aparece, geralmente é de maneira negativa. Um dos principais objetivos do filme é mostrar que, na periferia, temos pessoas diversas, com sonhos distintos, e a arte, a moda, a dança fazem parte disso”, destaca.
Cenário. Gabriel quer motivar outros moradores da periferia a provarem o seu valor. Quando ele estava no ensino médio, apenas quatro de trinta e cinco alunos queriam cursar faculdade e, destes, somente ele enveredou pelo caminho da arte. “A periferia precisa se ver representada nesse local de possibilidades”, proclama.
Nem sempre Gabriel teve esse pensamento. Ele mesmo chegou a culpar o local onde vivia pelas mazelas que enfrentava. A virada de chave veio quando ele resolveu, a exemplo do bumerangue, inverter a lógica. Nova Contagem não seria mais fim de mundo, mas início, como batiza o curta-metragem. O filme é também uma maneira de “fazer as pazes” com suas origens.
“Sempre quis fazer filmes que as pessoas entendessem e saíssem do cinema com um quentinho no coração”, diz. Entre suas referências estão os diretores Damien Chazelle, Anna Muylaert e Daniel Ribeiro. Ele também destaca a atriz Tina Fey, que, “embora sendo comediante, consegue tratar assuntos pesados com leveza”, assim como Noah Baumbach, “que, através do drama, lida com sentimentos e sensações de forma profunda”, pontua.
Fascínio. Gabriel segue essa escola. Ela aborda chagas sociais como o racismo, a desigualdade e a homofobia, mas procura não pesar a mão nem descambar para o didatismo. O cinema o fascinou, pela primeira vez, ao assistir “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, de 2001, e, mais tarde, com a história de uma menina cantora, filha de pais surdos. “A Família Bélier” foi lançado em 2014.
Foram experiências “arrebatadoras”, que amplificaram a sua vontade de contar histórias e o conduziram à sétima arte. Hoje, ele se inscreve num cenário que tem crescido diariamente. “O cinema mineiro, e não apenas, mas também a música, tem conquistado seu lugar e tirado um pouco as coisas desse eixo Rio-São Paulo. O mineiro faz as coisas de um jeito diferente e isso fica claro nos nossos filmes”, conclui.