Ouvindo...

8106: como é a viagem na linha de ônibus mais longa de Belo Horizonte?

São sessenta e uma paradas, mais de 70 quilômetros rodados a cada viagem e muitas reclamações; a Itatiaia embarcou no ‘azulinho’ para ouvir os passageiros

Linha 8106 - BH Shopping

Belo Horizonte lidera o ranking das capitais com as tarifas de ônibus mais caras do Brasil. Os passageiros pagam R$ 6 enquanto a Prefeitura de BH, a Câmara e as empresas de ônibus não chegam a um acordo sobre o repasse que será feito às companhias para a tarifa ser reduzida.

Enquanto políticos e empresários discutem contratos e subsídios, a população banca o reajuste. O serviço é de qualidade? A Itatiaia embarcou na linha de ônibus com o maior trajeto em Belo Horizonte, o 8106, para saber o que pensam do serviço os passageiros que dele dependem todos os dias.

São sessenta e uma paradas, mais de 70 quilômetros rodados a cada viagem e muitas — muitas — reclamações. Essa é a realidade de quem pega a linha 8106 (Santa Cruz/BH Shopping), que faz o maior trajeto da cidade, segundo a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). Ele leva moradores da região nordeste (e os da Grande BH que dependem da Cristiano Machado) até o limite sul de Belo Horizonte, atrás do BH Shopping.

“A cidade na palma da mão”

A reportagem embarcou às 6h35 em um coletivo na rua Padre Agostinho, 250, no Parque São João Batista. No volante está Joaquim Pedro de Souza, de 55 anos, motorista de ônibus há 33 anos.

Os termômetros marcavam 17°C e o sol nascia quando Joaquim começava mais um dia dividindo a atenção entre as funções de trocador e motorista. Esta é a primeira das quatro viagens diárias. Pela manhã, ele é o “motor” do 8106. “Conheço a cidade na palma da mão”, conta. E já adianta que, para ele, o maior problema é o trânsito.

Maria Aparecida dos Santos tem 70 anos e trabalha com serviço de limpeza. É uma das primeiras a embarcar, no primeiro ponto, para trabalhar no bairro Cidade Nova, na região nordeste. “Tem dia que é complicado”.

Ao passar pelos primeiros pontos, não faltavam cadeiras para escolher onde sentar. O 8106 começa a ficar cheio, mesmo, ao passar pelo Minas Shopping, no União. Só na Cristiano Machado são seis paradas.

Às 7h15, já tinha gente que pegava o segundo ônibus da manhã. É o caso da doméstica Dulcilene Gonçalves da Silva, de 50 anos, que mora no Tupi, região Norte, e vai até o Belvedere, na centro-sul. Ela não poupa críticas. “Está sempre lotado e demora muito para passar. É um absurdo, é péssimo”.

Viagens insuficientes

De acordo com a BHTrans, o 8106 oferta 89 viagens nos dias úteis: 76 aos sábados e 51 aos domingos. Mas parece mesmo não ser o suficiente. A diarista Maria Aparecida Gregório, de 50, trabalha no BH Shopping e fez a mesma reclamação. “Eu pego duas vezes na semana. Aumentou a passagem, mas não aumentaram os ônibus. Linhas pararam de circular, aumentando o número de passageiros. É um sufoco. Demoro duas horas para chegar no trabalho.”

A viagem segue e, apesar do aumento no fluxo de passageiros, quase todos vão sentados. Logo, uma mulher grita para a reportagem: “espera chegar na Praça da Estação (Centro), aí você vai ver o pessoal revoltado.” Três passageiras confirmam. “Tem até tem briga. O motorista parou nos pontos, mas, como estava muito cheio e eles não conseguiam embarcar, xingaram o motorista. Ele não tem culpa”, relatou.

O ônibus passa pela avenida Cristiano Machado, segue pelas ruas Silveira, Itaquera, Juacema, Jacuí, e pela avenida do Contorno. Às 7h25, uma longa fila de passageiros aguarda para o embarque na avenida dos Andradas, altura do número 220. Nesse dia, os usuários passam pela catraca sem confusão.

A doméstica Adelita Cipriani, de 47, que saiu de casa às 5h, em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, realiza esse trajeto, no mesmo ônibus, há sete anos. Sem conseguir lugar para sentar, Adelita conta que o serviço piorou: “hoje ainda está uma bença. Esse ônibus não anda assim, não. Depois da pandemia, diminuiu muito o número de ônibus e o preço só aumenta”, critica.

“Pior linha de Belo Horizonte”

“Ih, moça, você veio no dia errado”, disse a doméstica Eliana Freitas Nascimento, 44. Ela é amiga de ônibus de Adelita e outras duas passageiras que costumam se encontrar pela manhã para ir ao trabalho. “Essa é a pior linha de ônibus de Belo Horizonte”. “Tem dia com gente pendurada na porta, machucando o braço da gente. Tudo que você imaginar dentro desse ônibus, aqui tem. Quando chove, chove mais aqui dentro do que lá fora”, aponta.

O ônibus que a Itatiaia embarcou é o tradicional “azulinho”, que ainda não possui ar-condicionado. Nesse dia, não choveu. Mas, às 8h, temperatura aumentou e as dezenas de passageiros tentam se refrescar com uma abertura no teto-solar danificado. Essa hora já era difícil encontrar um “canto” para segurar as mãos sem encostar em outro passageiro. “Todos os dias está cheio. Pode vir até sábado que está lotado”, completou Eliana.

Quais são as linhas de ônibus de Belo Horizonte com maior número de reclamações? confira

Segundo os últimos dados da BH Trans, só no mês de março de 2023 foram 97.324 passageiros transportados pelo 8106. Isso significa uma média de 1.300 usuários por dia.

O ônibus volta a esvaziar ao se aproximar do bairro Sion, passando pela estreita rua Haiti e pela Presidente Eurico Dutra. Na avenida Luiz Paulo Franco, já no bairro Belvedere, só restou a reportagem da Itatiaia e o motorista Joaquim.

Com o coletivo vazio, o Joaquim começa cantarolar ‘Anunciação’, de Alceu Valença. Às 8h40, ele chega ao ponto final na rua Maria Luiza Santiago. Após quase três horas, às 8h45, a reportagem desembarca da linha com maior quilometragem da capital mineira. “Hoje demorou um pouco mais por conta do trânsito parado lá na avenida Nossa Senhora do Carmo”, justifica.

Resposta da PBH

A reportagem da Itatiaia procurou a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) para comentar as reclamações das passageiras. A administração municipal explicou que os agentes da BHTrans monitoram diariamente a operação das linhas nas estações e por meio de câmeras no Centro Integrado de Operações da Prefeitura de Belo Horizonte (COP-BH).

“Todas as manifestações dos usuários são verificadas, a linha é fiscalizada e ajustes são determinados para melhoria do funcionamento , disse.

Por contrato, é exigido que os consórcios que operam o transporte coletivo municipal cumpram os quadros de horários realizando o número de viagens necessárias para atender à demanda de passageiros, independentemente do número de veículos empenhados no serviço.

No caso de manutenção dos veículos, segundo a BHTrans, a responsabilidade é das concessionárias. “Quando o veículo apresentar problemas, os motoristas recebem orientação para que, assim que possível, interrompa a viagem e recolha o veículo à garagem para resolver a situação. Se o problema apresentado afetar a segurança dos passageiros, a viagem deve ser interrompida imediatamente”, afirma;

Os usuários podem registrar as reclamações por meio do aplicativo PBH APP, pelo WhatsApp (31) 98472-5715 ou no Portal de Serviços.

Enzo Menezes é chefe de reportagem do portal da Itatiaia desde 2022. Mestrando em Comunicação Social na UFMG, fez pós-graduação na Escola do Legislativo da ALMG e jornalismo na Fumec. Foi produtor e coordenador de produção da Record e repórter do R7 e de O Tempo
Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.