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Cadê o dinheiro? Com a tecnologia, consumo muda e coloca em xeque a existência de moedas

A partir desta terça-feira (2), a Itatiaia leva ao ar uma série especial sobre o desaparecimento do dinheiro físico

Comércio no São Lucas, região Centro-Sul de BH

Você se lembra a última vez que pagou uma conta em dinheiro? O surgimento do PIX, em 2020, e o uso de cartões de crédito e débito trazem hoje uma realidade cada vez mais comum na compra de produtos e serviços. O dinheiro é cada vez mais digital. Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva diz que nas compras da Páscoa, por exemplo, o dinheiro foi usado por apenas 0,5% dos consumidores.

“A facilidade dos aplicativos de bancos, carteiras digitais e PIX reduziram a utilização do dinheiro em espécie. Na Páscoa, data comemorativa mais recente, a pesquisa da CDL-BH apontou que o dinheiro aparecer em último lugar como forma de pagamento preferencial — sendo apontado por apenas 0.5%. Os lojistas e os consumidores consideram os pagamentos virtuais mais seguros”, disse.

Na contramão dessa realidade, a reportagem da Itatiaia mergulhar no comércio raiz — de quem prefere as relações todas em dinheiro. Para não identificar o local e expor a risco os comerciantes, vamos dizer apenas que se trata de um negócio de família, que vende artigos de pet shop, e está instalado há décadas na região central de BH.

“Não aceitamos cartão, não aceitamos PIX, não aceitamos cheque. Só aceitamos dinheiro. Isso poque meu pai é das antigas, ele não tem celular, não conseguiu se adaptar ainda a isso. Então, respeitamos”, contou. Com isso, muitos clientes são pegos de surpresa. “Eles vão atrás de um caixa eletrônico. Nosso preço é ótimo e esse é um dos nossos diferenciais”, completou.

Já em uma lanchonete, também na região central, segue o mesmo caminho. “Preciso dinheiro porque começo é pequeno e à margem de cartão é um rouba todo o lucro”, avaliou.

Tem cliente que tá acostumado, mas tem muita gente que é pega de surpresa em estabelecimentos que não aceitam dinheiro. De passagem em Belo Horizonte, o empresário carioca Marcos Antônio, de 52 anos, tentou de tudo. “Complicado só aceitar a espécie. Hoje em dia, quase ninguém anda mais com dinheiro. Acho que eles estão na contramão. Com o dinheiro, corremos o ‘de botar um montão’ no bolso e alguém roubar na esquina”, disse.

Relação com o dinheiro

Para entender a relação do ser humano com o dinheiro a gente foi psicanalista e filósofo Rene Dentz. "(O dinheiro) tem uma relação com poder. A pessoa precisa visualizar que ele existe e mostrar. Mas, por outro lado, algumas gerações parecem que não percebem a realidade do dinheiro se for virtual. Então quer controlar toda aquela situação, com dificuldade de entender que o dinheiro está na ‘nuvem’. Me parece que ter o dinheiro é uma forma de segurança — que é, logicamente, falsa . Mas é difícil mudar essa chave para algumas pessoas”, explicou.

Para turma que gosta de andar com maços de dinheiro no bolso, o sociólogo e especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori tem uma alerta.

“É uma atitude absolutamente inadequada, imprudente. O ideal ao evitar isso, né? Fazer sempre as transferências eletrônicas e, se for inevitável, que o dinheiro esteja bem guardado nos bolsos da frente, nos bolsos mais fundos, que não esteja visível alguém que possa estar interessado no cometimento do crime”, complementou.

Caderneta

No bairro São Lucas, centro — sul de Belo Horizonte, resgatamos uma tradição bem do interior — o uso da caderneta. A padaria e mercearia Rei Zinho tem décadas de história e muitos clientes usam a caderneta para anotar as contas do mês. Administradora do espaço, Fabiana Filizzola aponta pontos positivos e negativos da prática.

“Aqui usamos a caderneta igualzinha do interior. Tenho uma caixinha de madeira no qual coloco o nome do cliente, a data da compra e o valor da compra. Tem cliente que fala para colocar só o valor. Outros acertam quinzenalmente. Tem também o que prefere pagar por semana ou mensal. Além disso, ainda acontece de chegar alguém que esqueceu a carteira e paga no dia seguinte”, contou.

Ela disse que clientes antigos fidelizam as compras. “O ponto positivo são os clientes antigos nós né? Que a gente tem confiança na gente. Eles acabam vindo com frequência, adquirindo mais mercadorias e gera um montante maior pro final do mês”, completou.

Fabiana disse que nunca tomou um “calote”. “Eu ainda não tomei, mas tem uma pessoa me enrolando para pagar uma conta na faixa de R$ 200”, acrescentou.

Nesta quarta (3), a reportagem visa entender riscos, desafios e perigos e facilidades das transações digitais.

Mineiro de Urucânia, na Zona da Mata. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (2024), mesma instituição onde diplomou-se jornalista (2013). Na Itatiaia desde 2016, faz reportagens diversas, com destaque para Política e Cidades. Comanda o PodTudo, programa de debate aos domingos à noite na Itatiaia.