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Agressividade e egoísmo: por que as pessoas brigam tanto no trânsito?

Especialistas tentam explicar a violência entre motoristas e dão dicas para você evitar confusões no dia a dia sobre rodas

Gerente do DER-MG pede que motoristas tenham cautela e paciência no trânsito

Um acidente de trânsito gera uma discussão e termina em briga e, em alguns casos, morte. Essa é uma descrição comum para tantos e tantos casos registrados em Minas Gerais nos últimos anos. O mais recente foi no dia 12 de abril, quando um instrutor de autoescola subiu em cima do carro que atingiu o seu veículo após o motorista se recusar a registrar a ocorrência. O instrutor caiu, bateu a cabeça e morreu dias depois por morte encefálica.

Só em 2022, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais registrou 45 brigas causadas por confusões no trânsito e 70 casos de lesão corporal pelo mesmo motivo. Só nos dois primeiros meses de 2023, foram 15 brigas, com ou sem agressões. Segundo a Sejusp, não houve nenhuma morte causada por brigas de trânsito entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2023.

Por que brigamos no trânsito?

Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG e professor na Faculdade Anhanguera, Pedro Teixeira de Almeida levanta duas possíveis respostas. A primeira leva em conta o “fator tensão/risco” presente no ato de dirigir, que envolve o risco de acidentes e a possibilidade de danificar o carro, que é um item caro.

“Há a possibilidade de se perder um produto que exige anos de investimento salarial e que traz uma relação afetiva com dono e, também, a chance de se machucar ou morrer. O número de acidentes no Brasil é alto e somos bombardeados com notícias assim.

A segunda possibilidade levantada pelo pesquisador é a “alteridade efêmera”, ou seja, a presença de uma pessoa que só existe por um breve momento em nossas vidas e que, muitas vezes, nunca mais veremos.

“Nesse contexto, pode ser mais fácil descontar nossa frustração e raiva em um desconhecido que nos ultrapassou pela direita do que em um superior ou colega de trabalho”, diz Almeida.

Avaliação psicológica da CNH

Os testes psicológicos realizados para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) avaliam quesitos como a saúde mental e emocional do candidato, incluindo funções cognitivas e traços de personalidade. É possível relacionar os resultados destes testes com os casos de violência no trânsito?

O professor Pedro Almeida não acredita nisso. Para ele, é “delicado” usar predisposições para decidir se uma pessoa pode dirigir ou não. O especialista afirma que os exames são apenas uma das medidas para promovem um trânsito mais seguro, mas acredita que o investimento em infraestrutura, fiscalização e educação podem dar mais resultados.

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Essa é a mesma opinião de Ana Luiza Barbosa, psicóloga e coordenadora da Comissão de Orientação em Psicologia do Tráfego do CRP-04 (Conselho Regional de Psicologia). A especialista não defende mudanças na série de exames, mas propõe que seja feita uma espécie de acompanhamento com os motoristas, como uma forma de deixar condutores, passageiros e pedestres mais seguros.

Jã Elza Lobosque, psicóloga conselheira do CRP-04, faz uma consideração relevante sobre os testes psicológicos para CNH.

“Uma pessoa avaliada para receber a primeira habilitação nunca mais será avaliada por um psicólogo do trânsito a não ser que se torne motorista profissional. Nem a Organização Mundial da Saúde recomenda que uma avaliação tenha validade vitalícia. A grande questão hoje é que muitos esperam uma previsibilidade de uma avaliação que foi feita, em alguns casos, há mais de 20 anos.”

Como evitar brigas no trânsito?

Um motorista troca de faixa sem dar seta, outro passa “tirando tinta” do seu retrovisor, um motociclista passa “cortando” vários veículos no trânsito. É normal ficar estressado quando vemos algum condutor agindo mal no trânsito e, algumas vezes, a vontade de xingar a outra pessoa é grande. Para Rosely Fantoni, gerente de Educação para o Trânsito do DER-MG, o “mantra” a ser seguido pelo motorista nesta hora é cautela.

“A gente nunca sabe qual o estado emocional da pessoa que está se envolvendo num acidente com a gente. Então o ideal é não discutir e evitar falas do tipo: ‘ah, você tá totalmente errado’, ‘seu barbeiro’. Desta forma a gente só vai aumentar a agressividade da outra pessoa.”

Mas, em alguns casos, uma simples buzinada de alerta leva o outro motorista a se irritar e apresentar um comportamento agressivo. Rosely pede para que os condutores respirem fundo, mantenham a calma e não falem nada. A gerente de Educação no Trânsito do DER-MG afirma que, muitas vezes, é melhor “levar desaforo para casa”.

“Levando esse desaforo, você preserva sua vida. É melhor do que tentar tirar satisfação e perder a vida. O carro tem peças de reposição, mas o ser humano não tem peça. Então se perdermos um filho, pai, esposa, jamais os teremos novamente. Ser paciente faz toda a diferença nesta luta por um trânsito mais seguro.”

Jornalista formado pela UFMG, com passagens pela Rádio UFMG Educativa, R7/Record e Portal Inset/Banco Inter. Colecionador de discos de vinil, apaixonado por livros e muito curioso.