Ouvindo...

Sustenta o vazio!

O que falamos aqui não é sobre culpa! É sobre responsabilidade

Padre Samuel Fidelis

A maturidade requer sustentar decepções. A começar daquelas que começam e terminam consigo mesmo. Se os jovens são rebeldes da herança e dos vícios dos traços biológicos, dos trejeitos assimilados, do erros dos seus pais, a vida adulta, em sentido diverso, é uma assunção do erro e do equívoco, daquilo que, por própria vontade, num de nós num primeiro momento, desejaria sustentar...

Quem de nós, num ato de rebeldia adolescente e sem causa, não julgou que a vida adulta seria sinônimo apenas de pagar os próprios boletos, de fazer o que “dá na telha”, de poder ir e vir sem justificativas e sem pressa. A gente desdobre, só com o tempo que a vida adulta tem dívidas maiores e impagáveis: nunca haverá lugar totalmente certo, nunca uma convicção estanque, jamais um corpo que caiba para sempre, nunca um tempo suficiente.

O que falamos aqui não é sobre culpa! É sobre responsabilidade. Não se trata de pura e simples agonia, é sobre pagar preços, arcar com custos, sustentar...

Sustentar, em primeiro, o equívoco das própria noção do que é a vida, naquilo que, como dizia Lispector, faz o amor ser a soma das incompatibilidades... A gente não se identifica jamais com os sonhos que cria, mas se faz e refaz dos escombros deixados pelas previsões frustradas. A expectativa é uma companheira chata, inevitável; empolgante, daquelas amizades irrita, mas das quais a gente não consegue se livrar...

Não há nada que se possa dar em troca, da própria vida, lembra o divino Mestre. É preciso estar atento ao que se coloca no lugar. Pode-se buscar ganhar o mundo inteiro, busca de um lugar, uma sensação, uma posse ou uma doutrina em que se “caiba” e perder com isso um vida inteira! (Mt 16,26).

Sim, uma vida pode estar cheia de muito fazer. O rigor moral quase sempre é sintoma do susto com os próprios desejos. Excesso de preocupações com política, são indício de que algo mais prazeroso na vida já desidratou. Tem certos tipo de reza que atraem ainda mais demônios e fantasmas...

Adultos sustentam o corpo com o bom alimento, e a alma com a fome. Com fome! Não desnutrida: é preciso alimentá-la de expectativas, de sonhos, de amores, coisas que, ao saciar, aumentam a fome. Se bem que hoje está tudo mundo querendo estar saciado. Todo mundo querendo o preto ou o branco, o pleno. Distraímo-nos de que há dias que são feitos para ser cinzas; cinzas como são os esboços. Assim como da arquitetura, a beleza também reside nos espaços vazios...

Arrisquemo-nos ao hiato. Haja, em nós, a coragem de silenciar. Só assim se pode pensar em crescimento, em relações saudáveis, em mística. Não há conhecimento sem saber que nada se sabe. Não há relações verdadeiras senão num ato de pobreza diante do outro; do que ele traz, do que fala. A mística pressupõe que assumir espaços vazios é condição de possibilidade para estarmos abertos às surpresas da Graça!

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.