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O abismo entre o povo e seus representantes e a teimosa esperança brasileira

O ceticismo não é gratuito, porque o Congresso Nacional tornou-se, há anos, um espaço dominado por interesses privados, grupos organizados e bancadas corporativas

ceticismo

O país real, o que trabalha, sofre e sonha, não se vê representado no Congresso Nacional. É um abismo doloroso, que custa atraso, desigualdade e desalento. Uma pesquisa divulgada nesta semana pelo Datafolha confirma o que o povo já sente na pele há tempos: 78% dos brasileiros acreditam que deputados e senadores atuam em benefício próprio. Apenas 18% avaliam positivamente o desempenho dos parlamentares. É uma rejeição tão grave quanto reveladora. O Brasil não acredita em seus representantes. E tem razão.

Esse ceticismo não é gratuito. O Congresso Nacional tornou-se, há anos, um espaço dominado por interesses privados, grupos organizados e bancadas corporativas. Há mandatos inteiros colocados a serviço de lobbies empresariais, isenções fiscais indecorosas e um orçamento que se presta à autoproteção política e não à transformação social e ao desenvolvimento do país. O Legislativo brasileiro não muda a vida do povo. Muda, no máximo, a vida dos seus próprios membros e de seus financiadores.

O problema é essencialmente de representação. O perfil dos parlamentares eleitos destoa completamente do perfil da população. Predominam homens brancos, ricos, empresários ou proprietários rurais. Poucas mulheres. Pouquíssimos negros. Raríssimos professores. Quase nenhum trabalhador comum. Não surpreende que as prioridades votadas não coincidem com as urgências do povo. Falta povo no parlamento. Falta chão de fábrica, fila de SUS, salário mínimo, escola pública, mãe solo, ônibus lotado. Falta quem vive as dores do povo e falta quem tenha a coragem e a lucidez para pensar além dos próprios interesses.

Além da crise representativa, há também uma dimensão ética e programática. O Brasil de hoje não tem um projeto nacional claro, e o Congresso, em vez de ajudar a construí-lo, contribui para aprofundar o vazio. O debate é cada vez mais pobre, encurralado por pautas moralistas e guerras artificiais nas redes.

Nosso país até tem tido avanços importantes, e na semana passada saímos oficialmente do mapa da fome, segundo relatório da FAO. É um feito importante, que deve ser reconhecido. Mas é pouco perto do que poderíamos ser enquanto nação. Porque o que se espera de um país com nossa potência agrícola, energética e humana não é apenas sair do mapa da fome, e sim garantir dignidade, renda, emprego decente e oportunidades para todos. O Brasil pode mais. O Brasil merece muito mais.

Mas como alcançar esse futuro se a maior parte da classe política, salvo exceções honrosas, segue operando na lógica do palanque, do privilégio e da politicagem? Alimentam a polarização porque ganham votos com ela. Ganham votos com a guerra diária de narrativas, mas o país não ganha nada com isso. Fica preso a um ciclo de inércia, ressentimento e descrença.

Nos anos 1950, o Brasil era o país do futuro e exalava otimismo. Hoje, há quem diga que o Brasil não tem mais jeito. Que está condenado. Mas isso não é verdade. O Brasil tem jeito. E o caminho passa por um projeto coletivo, baseado em consensos mínimos, planejamento público sério (sobretudo de longo prazo) e uma reconfiguração profunda da forma como se faz política no país.

Para isso, precisamos de algo raro: um conjunto majoritário de deputados e deputadas que se conecte com o interesse público. Que não se esconda atrás de emendas secretas, acordos de cúpula e repasses bilionários sem critérios e sem transparência, como as chamadas emendas Pix. A política precisa sair do subterrâneo. É hora de romper com essa lógica clientelista e eleitoreira, que escanteia o bem comum. O país exige mais. Exige diálogo acima das brigas inúteis, acima da polarização tóxica, acima da guerra permanente por curtidas e holofotes.

O Brasil precisa ser pensado com seriedade, com espírito público, com um mínimo de compromisso coletivo. Parece utopia. Mas não há transformação possível sem algum grau de esperança. Este país, apesar de tudo, ainda nos dá razões para acreditar que, um dia, teremos uma classe política à altura de sua grandeza.

Porque o que já sabemos, e com absoluta clareza, é que não há saída fora da política. Mas também não há saída com essa política que aí está.

Resta-nos a esperança, teimosa, persistente, brasileira, de que ainda possamos mudar o rumo.

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Alisson Diego Batista Moraes é advogado, professor e filósofo. Mestre em Ciências Sociais, com especializações em Gestão Empresarial e Direito Constitucional, possui 20 anos de experiência em gestão pública. Foi prefeito e secretário municipal. É escritor, consultor em planejamento e políticas públicas. Site: www.alissondiego.com.br

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.