Ouvindo...

Muito obrigado, Donald Trump

Muito obrigado, de coração, presidente Trump, por esse tarifaço brutal contra a nação brasileira; com ele, reaprendemos o que realmente significa colocar interesses acima de princípios

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

Olhando o mundo lá fora, nestes dias estranhos e tensos, fui tomado por um pensamento que talvez soe absurdo, mas que, ainda assim, me parece necessário dizer: precisamos, sim, agradecer ao presidente Donald J. Trump. E não se trata de ironia fina nem de provocação gratuita; é um agradecimento real, nascido entre o espanto, a perplexidade e a inquietação.

Agradecer nunca é simples quando as razões não nascem da alegria, mas do incômodo. Ainda assim, é nesses desvios da calmaria que a gente cresce. Porque às vezes é do desconforto que vem o ensinamento, do desaforo que nasce o alerta, da dificuldade que se colhe alguma lição.

Muito obrigado, de coração, presidente Trump, por esse tarifaço brutal contra a nação brasileira. Com ele, reaprendemos o que realmente significa colocar interesses acima de princípios. Ao transformar a política comercial em instrumento de chantagem, o senhor nos mostrou a eficácia sombria da retórica do ressentimento em nossos dias. Seu gesto desmedido também rasgou a fachada da diplomacia e revelou a antiga face imperial das relações internacionais, aquela que se disfarça de comércio, mas carrega no fundo a lógica crua do domínio.

Gratidão, presidente Donald, por nos lembrar com tamanha contundência que, no teatro das relações internacionais, como ensinou Lord Palmerston, não existem amizades, apenas interesses. Sua ordem executiva reafirma essa máxima e escancara a lógica de mundo em que a diplomacia cede lugar à imposição, o diálogo é substituído pela chantagem e o respeito mútuo é um ornamento descartável. Com sua brutalidade tão icônica, aprendemos que confiar na boa-fé das grandes potências será sempre perigoso. A lição, embora amarga, é clara: é preciso vigilância contínua, firmeza política e inteligência estratégica para proteger o que é nosso.

Obrigado, também, por arrancar o verniz das boas intenções e deixar expostas as vísceras da nova corrida global por terras raras, minerais estratégicos e hegemonia tecnológica. Suas ações revelam que a cobiça por nossos recursos já não se esconde atrás de promessas desenvolvimentistas, mas avança com desfaçatez e hostilidade. Obrigado por mostrar com nitidez que a geopolítica do século XXI não se decide apenas em mesas de negociação, mas nas jazidas minerais, nas malhas invisíveis da fibra ótica, nos algoritmos proprietários e no domínio concentrado das Big Techs, que operam como novos impérios digitais sobre territórios soberanos.

Obrigado por lançar luz, ainda que involuntariamente, sobre a urgência de construirmos soluções nacionais robustas, sobretudo no campo das tecnologias financeiras e digitais. Sua imprudência geopolítica escancarou o risco de dependermos de sistemas e plataformas que não controlamos, que operam sob lógicas alheias à nossa soberania. O fortalecimento de iniciativas como o Pix, por exemplo, deixa de ser mera modernização e passa a ser estratégia de defesa nacional. Em tempos de algoritmos opacos e redes financeiras transnacionais, garantir a autonomia tecnológica é também garantir a sobrevivência da democracia.

Obrigado por desnudar o neoliberalismo econômico que, em suas mãos, tornou-se um disfarce desajeitado para o protecionismo mais arcaico, uma perversão do liberalismo clássico. Sua retórica de livre mercado sucumbiu à prática da coerção tarifária, punindo parceiros comerciais e iludindo a própria população americana. Os consumidores dos Estados Unidos, que pagam mais caro por bens antes acessíveis, são hoje vítimas diretas das suas políticas imediatistas, motivadas mais pelo populismo de palanque do que pela racionalidade econômica.

Obrigado por unir, ainda que involuntariamente, setores da sociedade brasileira que costumam se olhar com desconfiança e caminhar em lados opostos. Sua imprudência política foi tamanha que gerou, como efeito colateral, um raro consenso nacional: o de que certos interesses do Brasil são fundamentais, inegociáveis e devem ser defendidos acima de qualquer divergência ideológica. Quando o ataque vem de fora, até os contrários se reconhecem no espelho da soberania.

Nós, brasileiros e brasileiras, patriotas de verdade, lhe agradecemos imensamente por nos lembrar que a democracia não fracassa de repente. Como alertaram os pesquisadores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, instituição de seu próprio país que o senhor conhece bem e ataca sem pudor, as democracias não caem de uma vez só. Elas apodrecem por dentro, corroídas por líderes que deslegitimam o contraditório, banalizam a mentira, solapam a imprensa livre e usam o poder do Estado para proteger aliados e punir adversários. Seu retorno ao poder, mesmo sob o peso de denúncias e investigações gravíssimas, é uma demonstração trágica da fragilidade institucional que pode atingir até mesmo a outrora idealizada democracia ocidental.

Thanks, Mr. President, por nos lembrar que, apesar de tudo, somos um povo soberano. Não somos quintal nem satélite de ninguém. Somos um país que precisa – e pode – erguer um projeto à altura de sua gente e de sua história. Um projeto que não se curve a potências nem se perca em disputas pequenas. Nosso desafio é claro: deixar de ser apenas reativo e construir, com coragem e inteligência, um Brasil que pertença a si mesmo.

Leia também

Alisson Diego Batista Moraes é advogado, professor e filósofo. Mestre em Ciências Sociais, com especializações em Gestão Empresarial e Direito Constitucional, possui 20 anos de experiência em gestão pública. Foi prefeito e secretário municipal. É escritor, consultor em planejamento e políticas públicas. Site: www.alissondiego.com.br

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.