Há uns dias fui em um almoço para mulheres empresárias e, em certo momento, uma delas, referência na sua área, falou que adorava trabalhar e perceber os frutos e o impacto do seu esforço, mas que não era feminista de forma alguma, pois não gostaria de medir forças com o seu marido. Esse fato me chamou atenção, uma vez que por diversas vezes me deparo com a resistência à igualdade de gênero, por ser assunto de “feminista” – termo que muitas vezes carrega um tom pejorativo, politizado ou desinformado.
Diante disso, resolvi trazer o tema para esta coluna, com o objetivo de esclarecer alguns preconceitos comuns. Primeiramente, gostaria de destacar que, ao longo da minha trajetória como advogada, nunca conheci uma mulher que não tenha vivenciado preconceitos de gênero em algum momento de sua vida, seja no trabalho, no ambiente familiar ou em situações cotidianas. “Isso é papo de mulherzinha”, “negócios e finanças são assuntos de homem”, “cabe ao homem tomar decisões”, “você deve estar de TPM” e “para quê você trabalha se é tão bonita?” são algumas frases que já escutei, exemplos do machismo estrutural que persiste.
É essencial compreender que o feminismo não é sinônimo de rivalidade entre gêneros. Trata-se de um movimento social que luta pela igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres, combatendo a violência e a discriminação. Essa conscientização é mais necessária do que nunca, considerando que, mesmo em 2024, os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam um aumento de cerca de 20% ao ano na violência contra mulheres. Casos de stalking, agressões no âmbito doméstico, assédio sexual e feminicídio são alguns dos reflexos alarmantes de uma sociedade que ainda carrega traços profundos de desigualdade. Vale destacar que Minas Gerais é o segundo estado que mais mata mulheres no Brasil.
No ambiente corporativo, a situação não é diferente. Embora muitas empresas se manifestem contra a violência de gênero, poucas implementam ações concretas, como impedir a ascensão de homens envolvidos em condutas abusivas. A desigualdade salarial é outro ponto crítico: mulheres ganham, em média, 27% menos que homens, ocupando o mesmo cargo e desempenhando as mesmas funções. Além disso, o estudo “Mulheres na Alta Liderança” da B3, a bolsa de valores brasileira, revela que, de cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 61 não têm mulheres em cargos de diretoria estatutária, e 37 não têm participação feminina entre os conselheiros de administração. Ainda, 27 não contam com nenhuma mulher na diretoria estatutária nem no conselho de administração - um reflexo de barreiras culturais e estruturais que perpetuam padrões excludentes.
Como advogada, frequentemente ouço relatos de desigualdade, como casos nos quais o genitor se recusa a pagar uma pensão justa por acreditar que a mulher “quer viver às custas dele”, ou situações nas quais o homem cresce profissionalmente, enquanto a mulher prefere priorizar a família, de modo que força de trabalho doméstica, na maioria das vezes, além de não ser remunerada, não é considerada no momento da repartição de bens. Isso sem falar daquilo que considero o mais grave: situações em que mulheres permanecem em situação de violência, física, financeira e psicológica ou em relacionamentos insatisfatórios por motivo de dependência financeira. E sequer sou advogada de família.
Na minha área de atuação, falamos sobre as “pink taxes” (tributação rosa), cujos dados revelam que termo os preços mais elevados para produtos e serviços destinados às mulheres, em comparação com os equivalentes para homens, se devem ao fato de que a tributação incidente sobre produtos femininos é maior do que sobre os produtos masculinos. Exemplos vão desde uma lâmina de barbear cor-de-rosa, que custa três vezes mais que outra igualzinha, mas azul, até alíquotas maiores para absorventes, que são de uso exclusivamente feminino. Isso não apenas eleva o custo de vida das mulheres, mas evidencia o machismo estrutural que permeia até mesmo as políticas públicas, que considera supérfluos produtos de saúde e higiene feminina.
Algumas vezes, em rodas de amigas, já escutei reclamações sobre a dificuldade de se encontrar potenciais parceiros quando se é bem-sucedida na profissão, pois “homem não gosta de mulher mais homem que ele”. Ao meu ver, se a dificuldade está relacionada ao sucesso profissional, o problema não está na competência da mulher, mas na autoestima e na hombridade do parceiro que se escolhe. O desenvolvimento profissional da mulher não se trata de uma “guerra entre os sexos”, tampouco de ameaçar o papel daquele com quem se divide a vida. Muito menos de “adotar uma energia masculina que irá minar o seu relacionamento”.
Respeito profundamente aquelas que optam por se dedicar exclusivamente aos cuidados com os filhos, em detrimento da profissão, mas isso não pode servir como desculpa para perpetuar desigualdades. Homens mulheres tem papéis e olhares complementares, não adversários. Isso também não implica que as mulheres se tornarão “homens de saia”, pois são as competências femininas que as fazem se destacar e obter resultados melhores, promovendo a diversidade. Diversos estudos revelam que o cérebro masculino é mais propenso a estratégias arrojadas e assumir riscos, enquanto a visão mais cautelosa e estratégica das mulheres faz com que empresas com a presença feminina na liderança lucrem 25% a mais que as suas concorrentes. A liderança Shakti será tratada oportunamente.
Por fim, fundamental reforçar que a luta por igualdade de gênero não é uma questão de desmerecer homens, de medir forças, de imposição ou se de estabelecer o matriarcado, mas, sim, atualizá-los para um contexto mais inclusivo e justo. Essa é uma pauta que transcende ideologias ou bandeiras políticas e diz respeito ao avanço de toda a sociedade — homens, mulheres e futuras gerações.
A igualdade não é uma ameaça; é uma oportunidade de construir um mundo mais equilibrado e sustentável para todos. Voltando ao almoço que me inspirou a escrever esta coluna, eu me posiciono sim como defensora do feminismo. Se hoje podemos ter voz, denunciar agressores, votar, trabalhar, pleitear igualdade salarial, liderar e construir o próprio negócio é porque outras mulheres abriram os caminhos e lutaram contra as desigualdades, para que pudéssemos ser aquilo que somos predestinadas a ser: donas de nós mesmas e protagonistas das nossas próprias vidas.