A desativação de TV Boxes clandestinas, anunciada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em fevereiro, já está em andamento. Hermano Tercius, superintendente de fiscalização da Anatel, conta que os usuários desses serviços já sentem o impacto. Em entrevista ao Tilt, ele admite, entretanto, que é impossível acabar de vez com o uso ilegal de conteúdo audiovisual pago.
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Ele conta que a entidade aposta no combater à prática e na redução da incidência a partir da conscientização da população. “A agência não tem a pretensão de acabar com a TV pirata. Há pessoas que trabalham para burlar [o bloqueio]. No fundo, o bloqueio tornará a disponibilidade cada vez menor, mas, mesmo assim, um serviço que funciona hoje 100% do tempo vai passar a funcionar 50%.”
Carlos Baigorri, presidente da Anatel, diz que a ideia é tornar a experiência instável e sem confiabilidade. Ele conta que usuários têm ligado para o órgão para reclamar que a TV Box parou de funcionar, como se o serviço fosse legítimo. “Eles ligam para reclamar de algo que a gente fez de propósito.”
Para Baigorri, além de mostrar que o uso ilegal das TV Boxes estava normalizado, essas ocorrências indicam que a indisponibilidade pode já estar causando rejeição à opção clandestina — apesar de os serviços ilegais ativarem novos servidores quando um é desabilitado.
Ele conta que a expectativa é que a experiência se torne tão ruim que ninguém mais queira comprar os aparelhos sem homologação. Ainda não há levantamento ou estatística a respeito dos bloqueios já efetuados.
Os dispositivos são desativados remotamente e param de exibir conteúdos de TV paga e plataformas de streaming transmitidos sem autorização. Associações do setor estimam que há cerca de 7 milhões os aparelhos ilegais de TV Box no Brasil. Esse total contabiliza apenas os equipamentos sem homologação da agência — que inclui testes de conformidade.
A entidade não informa a quantidade de aparelhos bloqueados nem os modelos afetados. De acordo com Tercius, entretanto, usuários já admitem, em fóruns online dedicados à pirataria, ter sido atingidos.
Como é o bloqueio?
O processo começa com denúncias, recebidas pelo grupo de trabalho dedicado ao tema na agência. Qualquer cidadão pode comunicar a ocorrência, mas, na prática, informes de associações de TV paga e streaming são mais bem recebidos.
Tercius destaca que o órgão não busca indivíduos específicos, mas redes de aparelhos. Como as entidades têm laboratórios para testar aparelhos e elaborar relatórios robustos, suas indicações são mais desajáveis. “É importante ressaltar que a denúncia não é ‘olha, meu vizinho está usando equipamento pirata’. As denúncias costumam detalhar, por exemplo, fabricante, modelos e os servidores que eles acessam.”
Se as denúncias são confirmadas, a Anatel entra em contato com as operadoras de backbone correspondentes. São elas que conectam a internet do Brasil com a do mundo. Tercius explica que elas farão o bloqueio por IP [o identificador de aparelhos conectados à internet], protocolos usados pelas TV Boxes e “múltiplas técnicas” — que a agência não detalha.
Como a maioria das conexões residenciais usa endereços de IP dinâmicos — os provedores atribuem uma faixa de IPs mutáveis a clientes residenciais porque é mais barato —, o bloqueio seria, no máximo, temporário. Empresas, por sua vez, costuma ter IPs estáticos.
Marcelo Zuffo, professor do departamento de engenharia de sistemas eletrônicos da Universidade de São Paulo (USP), diz que é mais eficaz bloquear os servidores que liberam acesso a conteúdo pago. Nesse caso, é possível desativar os aparelhos individualmente ao bloquear suas portas de acesso e seu endereço MAC [único para cada dispositivo, funciona como endereço físico imutável].
Segurança da informação
Tercius destaca, ainda, que os aparelhos não homologados oferecem perigo para redes de computador e usuários. Entre 2021 e 2022, a agência concluiu que os dispositivos clandestinos permitem furto de dados de equipamentos que estejam na mesma rede de internet, o que inclui capturas de tela de celulares e computadores. Além disso, podem ser usados em ataques de negação de serviço.
A disseminação dos equipamentos é cada vez maior. “Em 2020, registramos cerca de 400 mil [apreensões de TV Boxes]. Em 2021, pulou para 3,5 milhões”, comenta Tercius. As fiscalizações são feitas em portos e aeroportos em parceria com a Receita Federal.