Cientistas e pesquisadores veem a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva como positiva para o segmento de Ciência e Tecnologia, mas lembram é fundamental investir na área. “As evidências apontam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter um olhar muito aguçado para educação e ciência, porque ele já fez isso”, diz Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora da Unifesp, em entrevista do g1.
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Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). lembra dos governos anteriores de Lula. “O Lula tem a seu favor o fato de que governou muito bem nessa área”, destaca. “O que ele vai fazer agora é complicado, porque nós estamos em uma situação econômica desastrosa.”
Os especialistas comentam que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) estão bloqueados até 2026 por uma Medida Provisória (MP) assinada em agosto deste ano. Ele é o principal mecanismo de financiamento da área, usado por universidades, instituições e empresas do setor privado que investem em inovação.
Neste ano, por exemplo, R$ 3,5 bilhões (de um total de R$ 9 bilhões) foram contingenciados pelo governo federal. Para 2023, há previsão de bloqueio de R$ 4,2 bilhões — 42% do fundo. Pela MP, o fundo só poderá ser usado em sua totalidade em 2027. A expectativa é de redução ainda maior nos investimentos em universidades públicas, responsáveis por mais de 90% da produção científica do Brasil. “Se isso não for resolvido, não vai ter ciência”, avalia Helena.
A equipe de transição tenta reverter os efeitos da MP e se apoia em uma lei, aprovada pelo Congresso em 2021, que proíbe o contingenciamento do FNDCT. Há ainda a hipótese de que a MP perca a validade antes de ser votada por deputados e senadores – o prazo termina no início de fevereiro de 2023.
Sérgio Machado Rezende, professor, físico e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações de 2005 a 2010, pondera que o presidente eleito disse que vai acabar com o contingenciamento do FNDCT. “E eu acredito que ele não vai ter muita dificuldade em razão dessa lei.”
O enfrentamento a esse cenário é essencial para evitar a escassez de talentos na Ciência brasileira nos próximos anos. A proposta de orçamento para 2023 prevê o direcionamento de cerca de R$ 17 bilhões para o segmento — esse valor era investido há 15 anos. Além do desbloqueio de verbas do FNDCT, os especialistas sugerem como prioridade:
recomposição do orçamento e da gestão dos órgãos ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI);
novas estratégias para o desenvolvimento científico e tecnológico;
reajuste de bolsas de pesquisa.
Estratégia para o futuro
Rezende tem colaborado para o novo governo com a elaboração de um diagnóstico para apontar as prioridades da área. “Ciência implica não só financiar pesquisa, mas fazer que as instituições do MCTI atuem como no passado”, diz.
No diagnóstico, ele destaca a necessidade de recompor o orçamento do MCTI, alvo de desfinanciamento há pelo menos 7 anos. “Em várias entidades ligadas ao MCTI, houve mudança na estrutura e ela não foi boa. Vamos ter propostas de reestruturação administrativa e de gestão já nos primeiros dias de governo.”
Os cortes de verba atingiram, entre outros, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — que monitora biomas, como Cerrado e Amazônia, e a previsão do tempo e do clima, para obter dados sobre estiagem em momentos de escassez hídrica. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), por sua vez, chegou a interromper a produção de radiofármacos, usados para diagnóstico de câncer no Brasil.
Rezende reforça que os recursos devem ser usados de maneira estratégica. “Nós já não temos um plano há pelo menos 7 anos”, aponta. “Não só os recursos foram diminuindo, mas deixamos de ter estratégia. Essa é uma área para o futuro, ela tem de ter um plano”, pondera.
Subsídio para pesquisa
Na comunidade acadêmica, a expectativa é de haja mais atenção para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). São elas que oferecem remuneração aos estudantes para que eles possam se dedicar à pesquisa nas universidades.
Os subsídios não são reajustados desde 2013 e já perderam quase dois terços do poder de compra, de acordo com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG). Esse aspecto é crucial para incentivar os estudantes a se dedicarem exclusivamente a projetos de pesquisa. “Ciência necessita de recursos humanos. Não adianta você só ter investimento na Ciência se você não tiver isso acoplado com a formação de recursos humanos”, afirma Helena.
Nos dois primeiros mandatos de Lula, as bolsas de pesquisa receberam três reajustes. Em 2003, os subsídios eram de R$ 724 e R$ 1.073, para mestrado e doutorado, respectivamente. Em 2010, no último ano de seu segundo mandato, os valores eram de R$ 1,2 mil e R$ 1,8 mil, respectivamente. O último reajuste veio no governo de Dilma Rousseff: a bolsa de mestrado passou para R$ 1,5 mil e a de doutorado para R$ 2,2 mil. Esses valores permanecem até hoje.