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Funcionário mais antigo do Bolão, garçom que virou gerente desabafa: ‘Ninguém esperava’

Bolão da Praça Duque de Caxias vai funcionar até o próximo domingo, após permanecer por 55 anos no local

Beto do Bolão passou por todas as fases do Bar do Bolão da Praça Duque de Caxias

Os olhos marejados, o semblante de preocupação e os cotovelos sobre o balcão traduzem o sentimento de José Afrânio de Paula, o Beto do Bolão, como é conhecido. Aos 64 anos, ele tem a mesma idade do Bar do Bolão e não esconde a tristeza com o fechamento da unidade histórica da Praça Duque de Caxias, no bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte.

“Estou muito triste com essa situação que está acontecendo. Ninguém esperava isso. Eu não esperava o Bolão chegar e fechar as portas. Teve aquela pandemia e a gente superou todos os problemas, segurando com a força de Deus”, disse Beto do Bolão.

Entre idas e vindas, Beto tem 40 anos de história no Bolão e conheceu até os fundadores, José da Rocha e Maria Rocha. Já foi garçom e balconista antes de chegar ao cargo de gerente. Beto faz parte do quadro de funcionários, que tem 26 pessoas no total.

“Vou sentir mais falta da amizade que a gente conquistou aqui. Dos proprietários também. Minha convivência foi toda com eles. Dos colegas de trabalho também, dos clientes, dos taxistas que tiveram essa convivência conosco do Bolão”, disse. “Conheci os fundadores. O senhor Rocha, que foi o fundador, até que não tive muito conhecimento com ele. Que eu tive, conheci ele há pouco tempo, mas o conheci. Mas a fundadora, que foi a dona Maria Rocha, foi uma mãe para mim. Ela me considerava muito. Depois conheci o senhor Antônio, que foi um dos proprietários, o Bolão, os filhos e os netos. É muito triste”, destacou.

Beto torce para que a família encontre um ponto e reabra o Bar do Bolão, mantendo a tradição de 64 anos.“Não sei como vai ser daqui pra frente, mas tenho esperança de que daqui pra frente a situação melhore, arrumem outro ponto, com a fé de Deus.” Mesmo com 64 anos, mesma idade do Bar do Bolão, Beto ressalta que estará pronto para voltar ao lugar onde passou 40 anos da sua vida.

“Estou com 64 anos, a idade do Bolão, e não vou falar que não vou voltar. Quem sabe um dia, não é?”

Caminhos diferentes

Luiz Cláudio Rocha, o Cacau, diz que sócios vão seguir caminhos diferentes

O Bolão da Praça Duque de Caxias vai funcionar até o próximo domingo, após permanecer por 55 anos no local. Um dos proprietários do Bolão, Luiz Cláudio Rocha, explica que parte da família já havia se separado em 2013 e que agora a sociedade que ficou também seguirá caminhos diferentes.

“Sim, aconteceu isso em 2013, com o falecimento do senhor Antônio, que também foi um dos fundadores. Quando ele faleceu, nós entramos em acordo, separamos internamente a família e foi se ramificando para outros locais. E, com certeza, também essa parte que está aqui hoje, desses sócios que administram o Bolão, a intenção também é essa. Acho que cada um vai se ramificar, procurar um novo local, mas com a mesma essência do Bolão”, revelou Luiz, conhecido como Cacau.

Rochedão

Clientes já sentem falta do Bolão. Sérgio Luiz Miranda, 59 anos, cresceu no bairro Santa Tereza e agora mora na cidade de Senhora de Oliveira, interior de Minas. Ele estava em Belo Horizonte para uma reunião e foi ao Bolão nessa segunda-feira (20) para se despedir do Rochedão, um dos pratos mais tradicionais da casa, composto por arroz, feijão, batata frita, ovo e bife – e o tradicional espaguete à bolonhesa.

“Vim me despedir do Rochedão. A gente não pode deixar de comer o Rochedão”, disse Sérgio, que guarda na memória lembranças vividas no bar. “Tanta coisa, tanta gente famosa que passou aqui, entendeu? Os meninos do Sepultura, Paulo, Max, Igor, né? O pessoal do Skank, né? Inclusive tem os discos de ouro deles na parede ali. Aqui era muito bem frequentado. Era um bar 24 horas, né? Então, bar 24 horas tem de tudo, mas aqui sempre foi muito bem frequentado. Vai fazer falta”, garantiu.

“Não existe Santa Tereza sem Bolão, nem Bolão sem Santa Tereza. É mais ou menos isso. Santa Tereza lembra Bolão e Bolão lembra Santa Tereza”, concluiu.

História

O Bar do Bolão foi fundado em outubro de 1961 pelo casal José da Rocha e Maria dos Passos Rocha. Inicialmente, chamava-se “Bar Rocha & Filhos” e funcionou na Rua Estrela do Sul, 39, no mesmo bairro, vendendo salgados.

Ganhou o nome “Bolão” por causa do apelido de José Maria Rocha, um dos filhos, responsável pelo famoso macarrão que deu fama ao bar. Ao longo de mais de seis décadas, virou ponto de encontro, especialmente nas madrugadas. Sempre reuniu artistas e cantores, mas também gente simples e profissionais liberais. O Bolão tem como característica reunir, em um mesmo espaço, o taxista, o advogado, o médico e tantos outros anônimos e famosos.

Sepultura, Pato Fu, Skank, Clube da Esquina, Raimundos, Dudu Nobre, Neguinho da Beija-Flor, Gabriel, o Pensador, Sérgio Reis e João Gordo são exemplos de famosos que se encantaram com o sabor único do Bolão.

Em mais de seis décadas, o Bar do Bolão passou pela ditadura militar, trocas de governos, crises econômicas, hiperinflação e, mais recentemente, pela pandemia de Covid-19.

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Jornalista formado pela Newton Paiva. É repórter da rádio Itatiaia desde 2013, com atuação em todas editorias. Atualmente, está na editoria de cidades.