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Depois de passar por SP, designer que faz experimento morando na rua fala sobre a vida em BH

Augusto conta que, na capital mineira, encontrou mais apoio público, menos frio e uma vida social ativa entre moradores de rua

Augusto Espindola, de 41 anos, documenta como é estar em situação de rua e compartilha no Instagram

No dia 27 de maio, Augusto Espíndola, de 41 anos, que, desde o fim do ano passado, põe em prática o projeto de buscar propósito de vida nas ruas, desembarcou na capital mineira com uma bolsa equipada com o essencial. Após passar pelas ruas em Curitiba, Santos e São Paulo, chegou à capital mineira. Toda a experiência é documentada em vídeo e publicada nas redes sociais.

“Tento carregar o mínimo que preciso para, caso eu levante daqui e vá embora para outro lugar, ter meus itens de higiene pessoal E minha medicação de HIV. Daí tem os excessos de roupa, mas nem precisava carregar tudo. E o carregador do celular, só”, contou.

Augusto conta que dorme na praça Rio Branco, em frente à rodoviária, no Centro da cidade, e acorda na praça entre 7h e 9h. Depois, segue para a um dos Centros de Referência para a População em Situação de Rua (Centro POP/BH) para carregar o celular e tomar banho. Na hora do almoço, vai ao restaurante popular. À tarde, explora a cidade, conhecendo novas pessoas e observando as diferentes rotinas.

Praça Rio Branco, no Centro de BH, onde Augusto dormiu os últimos dias

“Aqui eu tô meio de férias. Eu tô vivendo mais da prefeitura mesmo. Aqui dá menos trabalho para você se virar. Então, em vez de gastar meu tempo só me virando sozinho, eu tô conhecendo mais gente. O povo de rua aqui tem uma vida social muito mais completa do que em São Paulo e Santos”, relatou.

Ele percebe que a cidade oferece o maior suporte de serviços sociais e a melhor qualidade de nutrição entre os lugares por onde passou. Na última quinta-feira (10), quando a Itatiaia conversou com Augusto, havia uma ação de saúde e cidadania, realizada pela prefeitura, na praça onde ele decidiu dormir nos últimos dias. “Dá para ver que eu engordei quando eu cheguei aqui”, contou.

Na capital mineira, a população em situação de rua quase triplicou na última década, chegando a 5.344 pessoas, segundo o 4º Censo da População Adulta em Situação de Rua, realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social em parceria com a Faculdade de Medicina da UFMG.

Existe um projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados que visa garantir que animais domésticos de pequeno e médio porte possam ser acolhidos em abrigos emergenciais, albergues e outros espaços de apoio, juntamente com seus tutores.

“Faz bastante diferença ter aonde deixar o cachorro. É uma medida importante. Não é fundamental, mas, aqui em BH, como já tem muita coisa resolvida, dá para começar a pensar nesse tipo de coisa. Uma cidade como São Paulo, por exemplo, ainda não tem espaço, porque não tem garantido o que está no degrau de baixo”, contou.

Onda de frio

O frio não tem dado trégua na capital nos últimos dias. No início do mês, a capital mineira registrou 11,3 °C, a quinta menor temperatura do ano. Quanto ao frio, Augusto, que está acostumado com as temperaturas negativas de Curitiba, conta que esse não é um problema.

“O frio que faz aqui, pelo menos na praça à noite, é menos do que no meu apartamento fechado em Curitiba. Mas também escolhi ficar nessa região por vários motivos, e um deles é a temperatura, porque aqui é uma depressão”, explicou.

Para ele, morar na rua vai além da falta de dinheiro. Para ele, morar na rua “não tem nada a ver com posses, dinheiro ou bens materiais”. “É uma coisa do coração. Por isso que geralmente é temporário, apesar de ter gente que gosta mesmo. Tem gente que gosta.”

Ele não está sozinho nessa escolha, embora essa não seja a realidade da maioria. Dados do mesmo censo mostram que, para os homens, as principais causas do rompimento com a moradia são o desemprego (19,6%), a separação (10,9%) e conflitos com grupos rivais (3,9%).

Morador de rua no Centro de Belo Horizonte

Entre as mulheres, os principais motivos foram violência doméstica (9,0%) e falta de moradia (4,1%). O levantamento foi realizado entre os dias 19 e 21 de outubro de 2022 e levou uma equipe de 300 pesquisadores para as nove regionais de BH.

A partir das pessoas que conheceu, Augusto disse que, em BH, as pessoas saem relativamente rápido das ruas. “Não é um negócio que, quando você chega, nunca mais vai sair. Tem gente que passa pouco tempo na rua. Se não fosse a ajuda de todos esses sistemas, aí, sim, as pessoas ficariam em condição ruim para sempre. Aqui mesmo conheci gente que ficou cinco, seis dias só”, contou.

Nas andanças e publicações, Augusto já começa a ficar conhecido, e ele contou que chegou a ser reconhecido na rua. “Fico com cara de batata frita, porque não sei o que dizer. Eu só fico assim: ‘Tá, legal’. Eu não sei reagir ainda’”, brincou.

Augusto publica vídeos nas redes sociais desde outubro do ano passado

Sua mãe também acompanha as redes sociais. Ele disse que só recentemente ela começou a aceitar a escolha do filho. “Até uns quatro meses atrás, minha mãe dizia quase todo dia que não entendia por que eu estava na rua. Mas, aos poucos, foram entendendo”, contou.

Próximo destino

Augusto planeja seguir para Vitória, no Espírito Santo, se não mudar de ideia no caminho. O roteiro ideal, segundo ele, incluía cidades do litoral. Mas, depois de ouvir o relato de sobre a vida violenta no Rio de Janeiro, desviou para Minas Gerais.

“Quero tentar contornar até Manaus, passando pelas capitais, e depois voltar pelo miolo”, contou. Para saber o desfecho dessa história, os interessados podem seguir Augusto no Instagram por meio do @oaugustoespindola, onde ele publica o dia a dia e responde aos seguidores.

Formou-se em jornalismo pela PUC Minas e trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre principalmente Cidades, Brasil e Mundo.