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A incrível história da locomotiva guardada por meio século que virou símbolo de cidade de MG

Itatiaia foi a Corinto desvendar a relação da locomotiva a vapor nº 526 com a história da cidade

A incrível história da locomotiva guardada por meio século que virou símbolo de cidade de Corinto, em Minas

Uma história iniciada em 1904 teve um capítulo importante registrado em julho deste ano, colocando fim a uma espera de meio século de moradores de Corinto, cidade de 23 mil habitantes que fica na Região Central de Minas Gerais. Após 52 anos, a locomotiva a vapor nº 526, que foi “desviada” dos trilhos em 1973 e colocada em um pedestal por um morador, foi oficialmente doada pelo governo federal ao município. A Itatiaia foi a Corinto desvendar a relação da locomotiva com a população e a importância da doação para a cidade.

Ferroviário aposentado, o senhor Álvaro Marcial da Rocha, de 103 anos, é testemunha viva dessa história. Lúcido e com uma memória de dar inveja a qualquer jovem, ele lembra com detalhes de todo o processo de substituição das locomotivas a vapor, também conhecidas como Maria Fumaça, pelas movidas a diesel e eletricidade, na metade do século passado.

“Vieram as locomotivas a diesel a partir de 1973. Fiquei trabalhando três anos em Corinto e Diamantina com as Maria Fumaça, porque meus colegas não gostavam”, recorda Álvaro Marcial.

O ferroviário lembrou ainda sua trajetória sobre os trilhos. “Comecei em 1º de novembro de 1942. Naquela época, entrei como graxeiro. Depois passei para foguista. Depois, em 1950, fiz concurso e passei a ser maquinista”.

Ferroviário aposentado, o senhor Álvaro Marcial da Rocha, 103 anos, é testemunha viva dessa história

Álvaro contou ainda que, em 1943, foi convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e transportou tropas até Diamantina, onde embarcavam para a Bahia e seguiam de navio para lutar na Segunda Guerra Mundial.

O aposentado lembrou que foi convocado para a Segunda Guerra Mundial justamente pelos conhecimentos sobre ferrovias. “Fiquei lá por um ano. Depois, fui requisitado porque trabalhava no transporte de tropa. A gente tem muita história para contar. Naquela época, as tropas passavam por aqui, seguiam para Pirapora e depois iam para a Bahia embarcar nos navios rumo à Europa”.

Álvaro conta com orgulho que, graças ao trabalho com trens, criou oito filhos, dos quais seis continuam vivos, assim como a esposa, Élida Marta Nascimento Rocha, de 97 anos.

Maria Fumaça é ‘mãe de Corinto’

Em Corinto, é quase impossível encontrar uma família que não tenha um ferroviário. Amarilton Beltrã, ferroviário aposentado de 63 anos, iniciou a carreira aos 14 anos e contou a relação da Maria Fumaça com a cidade mineira.

“A locomotiva Maria Fumaça, na minha visão, é um símbolo do nosso município, como foi um símbolo da revolução industrial no século XIX. Podemos dizer que essa Maria Fumaça é a mãe do município. A partir de 1904, quando a Maria Fumaça adentrou o sertão mineiro e chegou à comunidade de Curralinhos, hoje Corinto, a história mudou. Corinto, por ser uma cidade localizada no Centro Geográfico do estado de Minas Gerais, determinou que aqui seria um polo ferroviário forte e significativo, para atender diversas ramificações, como o trecho da linha Pirapora, Montes Claros, Diamantina e Belo Horizonte”, explicou.

Visionário

Beltrão conta que um dos responsáveis por ter mantido a locomotiva na cidade foi o ferroviário Moacir Luiz de Siqueira, que morreu em 2016, aos 87 anos. “Um senhor visionário, criativo, inteligente e que lutava intensamente para defender tudo que fosse do setor ferroviário. E com a locomotiva Maria Fumaça não foi diferente. Em um determinado dia, já na minha época, ele resolveu, junto com uma turma de Socorro, fazer um desvio e colocar essa locomotiva nesse pedestal em que ela está hoje.”.

Na minha visão, ela passa a se identificar como patrimônio dessa cidade. Tanto é que tentaram fazer garimpo de peças nessas máquinas. Se a locomotiva tivesse no lugar baixo, provavelmente teria até sido levada”, agregou Amarilton Beltrã.

Maria Fumaça escondida por meio século é doada para Corinto

Melhorias para preservar o patrimônio histórico

De família de ferroviários e de produtores rurais, o prefeito de Corinto, Evaldo Paulo, chamado de Evaldão, ressalta que a doação oficial abre a possibilidade de a Prefeitura fazer melhorias na locomotiva. “Antes de ser prefeito, eu já sonhava que ela fosse de Corinto. E, como prefeito, não é diferente”, disse o prefeito. Ele agradeceu a mobilização de deputados, promotores de Justiça e da equipe do Patrimônio Histórico de Corinto em prol da causa.

Evaldão explica que o local onde a locomotiva está era um lixão e foi transformado em uma praça que terá novas melhorias. “Já construímos a praça e vamos construir um telhado de imediato. Vamos licitar, colocar ela mais protegida e vamos pintar. Isso este ano ainda”.

O prefeito destacou que a locomotiva sempre foi cobiçada por diferentes cidades brasileiras e que a população sempre lutou pela permanência dela, de maneira oficial, na cidade. “Se tentassem tirar ela daqui causaria uma comoção. Eu ia chamar 3 mil pessoas, e morreríamos todos abraçados a ela”.

O secretário de Esportes, Lazer, Turismo e Cultura de Corinto, Luiz Gustavo, o Gustavo Chocolate, também destaca a cobiça de outros centros pela locomotiva. “Houve um trabalho muito inteligente de engenharia e dos funcionários da nossa rede ferroviária aqui de Corinto, que conseguiram colocá-la no pedestal onde ela está até hoje. Desde a manutenção naquele momento em que ela estava repousada na oficina até os dias de hoje, a gente lutava pela cessão dessa locomotiva de forma definitiva”, disse.

“Em alguns momentos, outras cidades, de forma autoritária, tentaram retirá-la daqui. Mas sempre a comunidade se uniu e buscou os meios para que ela ficasse aqui”, disse Gustavo Chocolate: “Ela representa toda a nossa comunidade de uma forma que aquela exposição da locomotiva naquele pedestal traduz a força das nossas famílias, tudo que aconteceu em Corinto”, concluiu o secretário.

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Jornalista formado pela Newton Paiva. É repórter da rádio Itatiaia desde 2013, com atuação em todas editorias. Atualmente, está na editoria de cidades.