A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) que aplicou uma multa de R$ 86 milhões contra a Vale por omitir informações sobre a estabilidade da barragem em Brumadinho e inserir dados falsos no sistema de fiscalização de barragens. O rompimento da estrutura, em 2019, deixou um rastro de destruição ambiental e 272 mortes.
Na ação, o colegiado confirmou a aplicação da Lei Anticorrupção ao caso, reforçando a responsabilização de empresas por condutas que “atentem contra a administração pública”. A decisão foi proferida em julgamento de mandado de segurança impetrado pela Vale, que buscava anular a penalidade imposta pela CGU.
De acordo com o órgão, a empresa havia inserido informações falsas no Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), comprometendo a atuação preventiva da Agência Nacional de Mineração (ANM). Com isso, a mineradora teria dificultado a fiscalização da barragem em Brumadinho.
Ao STJ, a Vale negou que tenha praticado corrupção, o que inviabilizaria a aplicação da norma. Em nota, a mineradora diz que entrará com recurso visando a revisão da decisão. “O STJ confirmou entendimento de que o alcance da lei anticorrupção não se restringe apenas a situações envolvendo atos de corrupção. Nesse contexto, embora comprovado que a Vale não praticou ou se envolveu em qualquer ato de corrupção, a aplicação de sanções pela CGU à empresa foi considerada válida. Com base nesse entendimento, o STJ indeferiu mandado de segurança impetrado pela Vale para anular decisão da CGU”, diz o texto.
Em seu voto, a ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, destacou que a Lei Anticorrupção tem “abrangência maior” do que o mero combate à corrupção. De acordo com ela, a norma visa responsabilizar civil e administrativamente pessoas jurídicas por práticas lesivas à administração pública, punindo condutas que afrontam o patrimônio público.
No caso da Vale, a relatora ressaltou que um dos artigos da Lei Anticorrupção qualifica como ilícita a conduta de dificultar investigações e fiscalizações promovidas por órgãos públicos ou seus agentes. Segundo a ministra, essa previsão legal não diz respeito apenas a obstáculos criados para atrapalhar a apuração de crimes de corrupção ou condutas parecidas.
O objetivo da norma seria, na visão da relatora, assegurar a integridade das ações fiscalizatórias do poder público, incentivando que os agentes econômicos ajam em consonância com os deveres legais, sem interferências indevidas que comprometam a atuação administrativa.
A relatora ainda afirmou que, ao fornecer informações falsos e omitir dados relevantes, a Vale prejudicou diretamente a atuação da ANIM, comprometendo o desempenho de sua função como fiscalizadora e a adoção de medidas que poderiam ter evitado ou reduzido danos na tragédia de Brumadinho.
Por fim, a ministra alertou que uma “interpretação restritiva” da Lei Anticorrupção, que limitasse sua aplicação apenas a casos de “corrupção clássica”, fragilizaria a relação entre o exercício da atividade econômica regulada e o dever de compliance das empresas.
“O desenvolvimento de atividades econômicas de elevado risco caminha ao lado do legítimo exercício do poder fiscalizatório do Estado, impondo-se à administração pública, de um lado, a criação de mecanismos voltados a aferir a qualidade e a segurança dos serviços desempenhados, e ao setor econômico, por sua vez, o dever de colaborar com as ações estatais mediante cumprimento integral das ordens administrativas”, concluiu a ministra.