Depois de três meses de a
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“No começo foi um pouco estranho”, “confesso que fiquei bem assustada no início”, “para mim foi um choque muito grande”, “tá sendo complicado no início, mas daqui a pouco fica tranquilo”. Essas são algumas das impressões de crianças e adolescentes dessas instituições. Eles não podem usar o celular na sala de aula ou no recreio, e há sanções para quem é pego com o aparelho.
Segundo a subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, Kellen Senra, o maior desafio é o fato de que, em muitos casos, o uso do celular já tem comportamento parecido com o vício. “A primeira preocupação foi em relação à saúde mental dos estudantes, como seria a receptividade e qual a reação deles, porque é uma questão de entender o vício, a necessidade do uso”, diz. A rede pública do estado de ensino de Minas Gerais conta com cerca de 1,7 milhão de estudantes.
Ainda assim, para Flávia Araújo, diretora da Escola Estadual Pedro II, na região do bairro Funcionários, em BH, a implementação da lei foi menos complicada do que se imaginava. “Uma resistência muito grande foi criada no início, mas ela foi sendo quebrada. Eles viram que, para o próprio bem, ela precisaria ser feita”, diz ela, em relação aos mais de 900 alunos por dia que passam pela instituição.
Por lá, o combinado - que pode ser feito de escola para escola - é de que os alunos podem deixar os aparelhos nas mochilas, mas desligados. Caso o contato com pais for necessário, ele é feito por meio da diretoria. Ainda segundo ela, “o aluno pego com o telefone, os professores direcionam-no para a direção e lá ele é confiscado”.
Segundo a estudante Amanda Silva, de 17 anos, que está no 2º ano do ensino médio, antes de a lei entrar em vigor, ela usava o celular para pesquisar assuntos que eram debatidos dentro de sala. “Eu pesquisava os assuntos no telefone, às vezes eu escutava música também, mas agora os professores estão sempre fiscalizando. Eu achei um pouco radical, mas entendo os motivos”, disse ela.
Apoio dos pais à causa
Na Escola Municipal Sebastião Guilherme de Oliveira, na região do Barreiro, o diretor, Ricardo Lima explica que o primeiro passo foi sensibilizar os pais e mostrar como o uso dos celulares tem feito mal para os adolescentes. “A gente começou a trabalhar isso ainda em janeiro, divulgamos para as famílias e convocamos para uma reunião em fevereiro. O primeiro passo foi sensibilizar e mostrar como os adolescentes estavam adoecendo”, diz.
Segundo Luca da Matta de 14 anos e está no 8º ano do ensino fundamental, um dos quase 700 alunos da instituição, os pais concordaram com a lei e, até em casa, algumas mudanças foram feitas. “Lá em casa também tem algumas regras e eu não posso ficar muito tempo enfrente a tela. Tenho duas horas livres para mexer no celular”, conta. “Acho que a lei ajudou no rendimento da gente, principalmente em prestar atenção na aula”.
É inevitável que a tecnologia esbarre em um adolescente nos tempos de hoje. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad/TIC), cerca de 85% das crianças de 10 a 13 anos acessam a internet no Brasil. Esse acesso cresce continuamente com o avanço das faixas de idade, chegando a mais de 96% dos adultos de 20 a 29 anos, mas diminui um pouco no patamar dos 50 anos.
A reeducação para aprender a lidar com as tecnologias, seus usos, riscos e benefícios, deve ser geral. “O momento é sobre reaprender a usar, pode ser que em algum momento vamos estar educados para usar as tecnologias, e aí, a gente possa de novo usar elas nas escolas, mas atualmente precisamos utilizar a lei, a norma para o aluno poder aprender”, afirma Ricardo.
Acostumar a ficar sem
Segundo os estudantes entrevistados, o celular era usado no recreio e na sala de aula, para os mais diversos objetivos. Alguns, pedagógicos, mas a maioria não. A distração, portanto, passou a fazer parte da rotina. O Vitor Hugo de Melo Silva, que está no 9° ano do ensino fundamental, aos 15 anos, explica: “Mexer no telefone aliviava, tipo ansiedade e essas coisas, o tempo passava mais rápido”.
No bairro Sion, o Colégio Santa Dorotéia, com mais de 3,5 mil alunos, já proibia o uso de celular durante as aulas, mas após a lei, as regras ficaram mais rígidas. Além de terem de ficar dentro da mochila, desligados, durante as aulas, agora também não podem ser usados nos intervalos e no recreio. “Agora que a gente não pode mais mexer no celular durante o recreio, a gente tem que focar em atividades de interação né, é mais uma questão do social, tentar desenvolver isso”, diz a aluna Mirela Lopes de16 anos, que está cursando o 2º ano do ensino médio.
Baralhos, damas e totó
Durante a visita nas escolas o efeito da ‘proibição’ dos celulares tem surtido efeito. Os menores reaprendem a brincar, baralhos, damas e totó voltaram aos horários do recreio. Já os adolescentes trocam as conversas de WhatsApp por esportes e por interações 'à moda antiga’, cara a cara.
“Na prática, eu acredito que está sendo ótimo, os professores agora não precisam ficar interrompendo toda hora”, completou Mirela. “Antes eu pegava o celular para ver TikTok, alivia minha ansiedade. Agora converso, tem baralho, estamos conversando. E isso é ótimo, antes era cada um no seu canto”, acrescentou Vitor Hugo.
Na escola de tempo integral a mudança também aconteceu. Nos intervalos, os celulares viraram jogos de tabuleiro, queimada e ping-pong. “A gente tem um tempo livre após o almoço e antes era todo mundo mexendo no telefone, agora a gente fica mais junto, conversando, jogando xadrez, ping-pong, voltamos a jogar tudo”, disse Manoela Gomes Lima, de 13 anos.
“Com a promulgação da lei, proibimos o uso durante os intervalos e na hora do recreio. Para nós, foi um sucesso, primeiro que a gente não trancou os celulares, nós não tiramos eles, até porque o celular não é a escola que dá, ele não faz parte da lista de material, então o aluno pode trazer, mas deixar desligado, na mochila. E isso tem acontecido”, disse Zuleica Ávila, diretora do colégio.
Entre os alunos mais velhos, alguns ainda foram flagrados pela reportagem mexendo nos celulares em momentos que não eram permitidos.
Ainda de acordo com ela, “recentemente, uma pesquisa apontou que uso dos celulares em excesso atinge muito mais as meninas, tanto no emocional como psicologicamente”. “O uso constante de telas atinge-as devido às cobranças das mulheres. Então a gente precisa trabalhar isso, essa transformação, é mais do que uma lei”, pontuou.
Apesar da percepção da maioria dos pais e mesmo alunos sobre a importância de mais restrições quanto ao uso do celular, Zuleica Ávila, diretora do colégio, conta de um caso em que pais resistiram à mudança e citaram a Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente. “Encaminhamos para o Ministério Público”, explica. Agora a escola aguarda um respaldo. “Não é uma questão de discordar ou acordar, a questão é sobre uma lei federal e leis foram feitas para serem cumpridas”.