Suspeite! Sim, o tempo todo. Mas não dos outros, antes de si mesmo. A maturidade não é outra coisa que a capacidade de desconfiar de si, de fazer um recuo crítico das próprias percepções e de não se levar tanto a sério. Só quem se desconhece se leva a sério. Saúde mental é saber que está todo mundo “dodói” por algum motivo. E é por isso que a gente se arranha, se estranha...
Um dos grandes sinais de imaturidade psíquica, nessa perspectiva, é o “julgamento”. E não se trata aqui do juízo enquanto percepção imediata, do tipo: branco, preto, alto, baixo; ou mesmo de um “parecer” emitido acerca de ações, tais como: aquilo foi bom, ruim, útil ou foi desnecessário... Tudo isso é inevitável e, às vezes, até desejável! A questão é quando o nosso juízo atinge “pessoas”, na ilusão de que uma ação ou uma percepção nossa seja capaz de “esgotar” ou resumir alguém.
As pessoas são sempre mais do que a soma do que se vê! Nossa visão de mundo, geralmente, está mais para narrativa, versão ou fantasia do que para o “fato em si”. Não é só o Instagram que tem filtro; nossa mente já nasce com vários! No instante em que dizemos “eu vejo isso, vejo aquilo”, fazemos isso a partir de um ponto de vista, que sempre é a vista a partir de um ponto (Boff).
Não devemos nunca julgar pessoas, pois todo julgamento, em última instância, é uma confissão de culpa! Basta observar, senão por fé, por sabedoria, vários ensinamentos de Jesus.
É Ele quem diz que, antes de ver o cisco no olho do irmão, é preciso ter consciência da trave diante dos nossos (Mt 7,4-5). É Jesus quem indica que há muita hipocrisia naquele que usa da “religião” para dar salvo-conduto às próprias perversidades. É o Nazareno quem faz os acusadores da adúltera jogarem suas pedras ao chão, sugerindo, sutilmente, que, se ela foi “pega em pecado”, certamente não estava lá sozinha (Jo 8). Considerando o mesmo tema, é o mesmo Jesus quem diz que um adultério ocorre, antes que no corpo, já no coração (Mt 5,28).
Leia também:
Todo julgamento é uma confissão! Não raro, punimos nos outros o que a gente, em nós, não consegue aceitar. Ao falar de alguém, estamos dizendo mais sobre nós do que sobre ele. Quem sabe de si coloca sempre menos na conta dos outros! Sempre que vemos uma crítica veemente sobre o comportamento alheio (ainda mais se for uma questão moral), o que subjaz ao “juízo” é o ressentimento pela vontade de fazer a mesma coisa e por sentir, por isso, ódio de si ou vergonha...
Pessoas com o péssimo hábito de julgar são aquelas que se desconhecem e não foram ensinadas a bancar os próprios desejos! Para gente assim, ver alguém que fala diferente, que vota diferente, que tem uma outra visão de mundo ou uma outra orientação é um “insulto pessoal”.
Disso decorre, por exemplo, um verdadeiro veneno para as relações, que é a fofoca. Quem fala mal dos outros, quem fofoca, quem é pejorativo demonstra um grande foco no “erro”. Agir assim indica grande frustração pessoal. Pode ter certeza de que uma pessoa crítica é a primeira vítima dos próprios padrões elevados! Excesso de julgamento é sempre sinal de baixa “dopamina”. Ao não ter prazer no que é bom, verdadeiro e belo, o “sincericida” se deleita em depreciar. O maledicente não tem autoestima. Quem sempre tem algo a diminuir nos outros está dando testemunho da própria necessidade de abaixar o “sarrafo”, reduzindo os ambientes que o cercam ao nível de sua mediocridade.
Façamos um compromisso com a lucidez! “De perto, ninguém é normal”. Que a gente suspeite sempre sobre nossa “medida sobre o mundo”. Afinal: com a mesma fita com que medimos, terminamos sendo medidos (Mt 7,2); devemos acreditar em metade do que vemos e nada do que ouvimos; o mundo é mais cinza quando nossa vista está “dodói”...