Estamos brigando com o tempo. Basta ver essa sensação terrível de que o dia precisaria de mais horas. Caímos, de novo, com as asas derretidas pelo sol, como Ícaro. A promessa era de que com automóveis modernos, air fryer, aparelhos digitais, teríamos mais tempo. O fato é, nunca estivemos tão congestionamos, deixa vir a primeira “conta de luz” que tu volta para o fogão a gás rapidinho, nunca gastamos tantas horas vendo coisas sem sentido.
Para falar da “ambiguidade do conceito” a gente vai de mal também com o “tempo clima”. Gargantas secas, sinusite, tosse, asma, calor... Parece mais um contexto de deserto, na cena das pragas do Egito...
Esse país em chamas nos provocam à poesia. Essa que como lembra Betânia, não serve para anestesiar consciência, mas para provocar desconforto. Em tempo de desapego e tanta correria é como provocar o mundo... Somos “a maldade em crise, tendo que reconhecer... " Flaíra Ferro.
Consumo e produção ocuparam o centro de importância das nossas relações. O desejo é sem fim e queima. Arde dentro e fora. A gente queima por não saber lidar com o verde, o respiro, a pausa, a falta.
Acúmulo, abuso, exploração. Um sistema insustentável. E feito para não sustentar! Ninguém quer ficar satisfeito. As marcas sabem disso, todas elas (inclusive as igrejas, pois fé em países em que para maioria falta quase tudo é business). As marcas sabem que há uma maldição no desejo... Nunca será suficiente. Estamos à flor da pele. A ganância sempre faz alguma coisa queimar.
Leiamos uma bela chave bíblica a destruição de Sodoma e Gomora. Nossa fixação com a cintura, nosso mal-estar da civilização, tenderá a enfatizar na passagem a questão “sexual” dos cidadãos dessas cidades. Todavia, a causa dessa clássica ruína bíblica foi antes de tudo a da perversão da hospitalidade (Gn 19).
E o que isso quer indica? Quem sem casa, mesa, empatia, generosidade, detalhe, gentileza, cuidado, o ser humano se desumaniza. É na insensibilidade diante do que dói no outro, do seu cansaço, da sua fome que se originam na bíblia e na vida todas as desgraças. Quando o coração se anestesia, a consequência é que desce fogo, fumaça e enxofre do céu!
Lembremo-nos, nos tempos do Profeta Elias, que a falta de compromisso de Israel com a bondade e justiça faz os rios ficarem secos e a língua dos lactantes pregarem ao céu da boca (1 Rs 17).
Falta compromisso com nossa Casa, a Casa Comum, como nos lembra papa Francisco. Seja crente ou ateu, negacionista ou woke, está todo mundo com “falta de ar”, vendo mais uma vez, como nos tempos do Gênesis, o fogo cair do céu...
Nos falta ancestralidade, “amor de índio” para nos lembra que “tudo que move é sagrado”, nos falta consciência de que ferir na natureza é pecado que clama ao céu, é cometer adultério contra o amor divino.
“Hoshe Ana”, Salva-nos de nós, pedimos-te, Senhor! Inclusive de nós mesmos! Temos consciência das dores de nossas escolhas, sabemos que nesse ritmo não vai terminar bem, falta-nos emoção com a criação que geme como em dores de parto (Rm 8,22). Seja nosso compromisso traduzir a fé em consciência ecológica. Essa que começa de mansinho, mas acertado; dentro de casa, nos pequenos passos. Quando nos dermos conta, teremos mudado o mundo...