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Amor é eleição

Samuel Fidelis é pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade e fala sobre o desafio do amor

Quando é que surge o amor? Quando é que a gente se encanta, atrai, conecta?

Quando é que surge o amor? Quando é que a gente se encanta, atrai, conecta? Alguns diriam que começa no susto, um instante imemorial, em que vem a nós a paixão pela “completude”. Isso, aquele momento em que nós sentimos plenos diante de uma pessoa (geralmente no namoro, mas iludidos...) ou o primeiro dia no emprego novo, antes de decidir que essa nova empresa é mais uma sucursal do inferno, ou a sensação de ter nos braços, pela primeira vez, um filho...

Em todos esses exemplos, a gente se “apaixona” por aquilo que uma pessoa, o emprego, um bebê nos fazem sentir. Todavia, o que a gente vai amar mesmo, é a “falta” que esse nos seus avessos nos causa. Por isso, seguramente, podemos dizer que o amor, não é obra do acaso, não é uma coincidência, não é um investimento. Amamos por eleição e por aposta.

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Apostamos. Isso porque amar significa ter apreciação por aquilo que vemos e confiança no que ainda não vemos. “De perto ninguém é normal”. Na hora da entrevista de emprego todos estão dispostos a morrer pela empresa, pois ela, afinal, é uma “família”. Na prática, como toda família, ela é uma bênção unida, mas reunida é sempre uma m*. Filho é bom demais, mas ele vem com parte da genética do “povo” do marido. Filhos são bons, mas custam caro e duram. A gente só sabe se deu certo ou não no final.

No momento em que nos custa, que custa precisamente porque vale muito, e tudo, que é bom aí começamos a amar.

Nas Sagradas Escrituras é belo como o próprio Deus amadurece em seu amor. Desde o início da constituição do povo de Israel, YHWH (o Senhor) se ama, elege, afeiçoa (Dt 10,15). Vai ele mesmo, tendo que apreciar dos israelitas, também a falta. A rigidez das exigências legais e dos mandamentos, dada a compreensão dos limites do Povo vai dando cada vez mais espaço nos relatos bíblicos a uma consciência ou as pessoas são convencidas a partir de dentro, ou nada feito.

Vai se esclarecendo pouco a pouco um dos conceitos mais belos nas Escrituras que é o da eleição. YHWH (o Senhor), não obstante exija santidade, retidão, justiça, ama por que ama. Sua justiça não decorre dos méritos de Israel ou das obras da lei, mas da fé, que não é outra coisa que a abertura em nós ao dom da eleição (Rm 3,20).

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Somos eleitos, por esse amor eterno (Jr 31,3). Não é necessário conquistar votos, simpatia, justificativas. Deus ama por que ama. “O amor de Deus não se destina ao que vale a pena ser amado” Lutero.

O amor de Deus, na perspectiva cristã (e isso inspira também o amor que devemos em nosso trabalho, relacionamento, a nossos filhos) começa lá onde todos nossos “juízos”, nossa pretensão de saber o que é o mundo, nosso “conhecimento”, nossas forças não forem mais suficientes. O amor verdadeiro surge da desilusão, do medo, da angústia, da falta.

Porque o amor é uma eleição. Porque o amor, como lembra Lispector: "é quando nós somos chamados a participar um pouco mais. Poucos querem o amor porque ele é a desilusão de tudo mais. Poucos suportam perdem todas as ilusões.”

Quando surge o amor? Que diremos? Quando a gente se desilude, e assim, meio angustiado; chega quase, quase à beira da loucura, mas se sente tranquilo de que não nos cabe mais voltar atrás...


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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.