A suspensão do livro “O Menino Marrom”, de Ziraldo, por parte da Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Lafaiete, na região central de Minas, provoca repúdio de pais e educadores da cidade.
Para o professor Cesar Souza Costa, que dá aulas de história para o 9° ano do ensino fundamental e pai de uma criança que já leu o livro, a censura praticada mediante pressão de pais é sinal de despreparo e desqualificação.
“Um livro selecionado pela Semed, distribuído para os alunos, lido pelos professores em parâmetros pedagógicos. Aí, alguns pais se manifestam contrários a duas partes específicas do livro e vão até a secretaria. O que a Semed deveria fazer mediante isso? Entender a obra. Não, o que ela faz? De maneira a mostrar despreparo e fugir do debate, fugiu da questão que o livro traz, que são a relação da amizade, defender a queda de preconceitos entre uma criança branca e uma criança preta, o que ela faz? Ela censura o livro. É um despreparo, é uma desqualificação de quem faz isso. Eu falo enquanto educador e enquanto pai. Nós gostaríamos muito que o livro fosse utilizado em sala de aula. Nós gostaríamos, sim, que esse debate ocorresse e que o exercício fosse aplicado”, finaliza o professor de história da cidade.
Posicionamento do prefeito
O prefeito Mário Marcos defende a medida da secretaria. “Não haverá nenhuma mudança de conduta por parte da secretaria, que tomou a medida certa. Nós sempre respeitamos muito o grande escritor e renomado escritor Ziraldo. Em Conselheiro Lafaiete, houve questionamento de vários pais e de vários vereadores que cobraram essa suspensão do livro”, disse o prefeito.
De acordo com ele, a medida é temporária. “A Semed entendeu por bem uma suspensão temporária. Não vai retirar esse livro, que vai voltar a ser pauta de estudo nas nossas escolas. Mas (a suspensão foi) para que se fosse feito um trabalho de esclarecimento junto aos pais sobre qual a proposta pedagógica da escola em relação à abordagem desse assunto. A gente sabe que é de extrema importância a questão da diversidade racial, do preconceito e da amizade”, acrescentou.
O prefeito admitiu que a pressão de alguns pais e vereadores provocou a suspensão do livro “O Menino Marrom”, que ajuda a ensinar crianças o respeito às diferenças raciais. Publicado em 1986, a obra de Ziraldo retrata a história de dois meninos, um negro (o menino marrom) e um branco (o menino cor-de-rosa) que tentam compreender melhor as cores. Ziraldo utiliza uma linguagem lúdica para falar sobre as cores e fazer a oposição entre o preto e o branco. Dessa maneira, trata de diversidade étnica, amizade e criação da personalidade. No decorrer da obra, os meninos entenderem “se o branco é o contrário do preto”.
“O livro vai voltar, vai voltar a ser discutido, aliás, não é nenhum ato de censura. Conselheiro Lafaiete não comunga com esse tipo de coisa. Hoje nós temos uma administração democrática na cidade. Acabou havendo uma grande polêmica, uma divergência de opiniões muito grande. Passou até a ter também um caráter político, pessoas de direita e de esquerda. Realmente houve uma pressão muito rápida, mas não é que nós estejamos cedendo à pressão. Houve uma reclamação, uma colocação do problema”, admitiu.
Mães de alunos criticam medida
No entanto, a decisão gerou reações de outros pais de estudantes, professores do município e
a favor do livro .
“Eu sou mãe de um menino de 9 anos que estuda na Escola Municipal Professor Dorival Beato (também em Conselheiro Lafaiete). Nós lemos juntos o livro “O Menino marrom” do Ziraldo, que é um autor já consagrado da nossa literatura infantil. Eu recebi com grande perplexidade a notícia. O livro é de extrema importância nos nossos dias porque trata de questões raciais, trata da importância da amizade, do processo do crescer, né? De passar da criança para a adolescência, para o início da vida adulta e como essas amizades se consolidam ao longo do tempo. São relevantes, além da riquíssima aquisição de vocabulário que este livro proporciona, a questão das crianças ampliarem a sua capacidade de interpretar metáforas”, disse Nara Avelar, mãe de uma criança de 9 anos, que frequenta uma Escola Municipal da cidade.
Para a mãe do estudante, o cancelamento do livro é uma censura sem cabimento.
“É uma censura sem cabimento, as pessoas que estão se manifestando contra estão retirando os trechos e imagens totalmente fora do contexto da obra, insinuando de que este livro estaria ensinando coisas inadequadas, comportamentos inadequados as crianças eu gostaria sinceramente de convidar essas famílias a lerem a obra na íntegra, a exercerem a sua capacidade de interpretação, porque tudo que tem sido alegado não faz o menor sentido”, finaliza ela, em entrevista à Itatiaia.
Procurada pela Itatiaia, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que não delibera sobre esse tipo de proibição, e que esta foi de responsabilidade do município.
“A Secretaria, em sua função de gestão e articulação entre escola e comunidade, compreende ser necessário momento de reflexão e análise da obra junto aos responsáveis para que não sejam estabelecidos pensamentos precipitados e depreciativos em relação às temáticas abordadas”, disse a nota.
*Com informações da repórter Gina Costa*