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Tragédia: onde está Deus?

Padre Samuel Fidelis é colunista da Itatiaia

Estamos todos à flor da pele pelo que vemos acontecer no Rio Grande do Sul. Em momentos como esse fica fácil entender o que é uma nação. Essa é uma unidade atemporal, que une passo, presente e futuro, em nome de princípios e de valores comuns. Somos o Brasil das praias e do futebol, mas também, o Brasil da solidariedade.

A catástrofe desperta. Isso, porque diante dela somos despidos de excessos e ganhamos um senso de importância e de urgência. Urgência, porque diante da água que desce levando tudo, é preciso ir rápido. Importância porque só se poderá levar o que realmente tem valor.

Nas Escrituras do Antigo Testamento, o grande evento da fé é a libertação do Egito. Não obstante tomemos da Bíblia a sua dimensão maravilhosa: o Mar vermelho, os prodígios, o tremor no Sinai, as pragas do Egito etc., há, na narrativa do Êxodo, a mensagem de algo ainda mais profundo: a vida, em si mesma, é uma contínua passagem.

Essa é a acepção do termo “pesach” (passagem). YHWH (o Senhor) faz a Sua passagem. É dele o compromisso de conceder a descendência, garantir a terra, promover a fertilidade da nação. Os que saem do Egito são filhos das matriarcas e dos patriarcas, filhos de Abraão e de Sara, de quem Deus se fez amigo (Dn 3). YHWH (o Senhor) passa ontem, hoje e sempre, nos momentos em que humanamente temos dúvidas sobre se seu amor foi esgotado, se sua promessa afinal teria falhado (Sl 76,9).

É, nesse sentido, também que, no Novo Testamento, Jesus, experimenta radicalmente a Sua “passagem”, ao fazer a mais radical de todas as travessias: a morte. Em momentos como este nosso, de enchentes, desastres, catástrofes e de mortes, como mulheres e homens de carne e osso, a gente se pergunta: “onde está Deus?”. Lembremos que é essa a oração de Jesus, na Cruz: “meu Deus, meu Deus porque me abandonaste” (Mc 15,34).

É difícil ver onde Deus passa. Sobretudo se passa em silêncio, se fala no avesso, se estamos em lágrimas. O fato é que passa! Particularmente em Jesus, passa mostrando que é especialista em sair de túmulos. Há sempre ressurreição numa morte atravessada com esperança e com amor. Catástrofes podem ressuscitar um país dividido por coisas menos urgentes e menos importantes...

Na travessa do Mar Vermelho, na noite escura da Cruz, Israel e os discípulos atravessam, passam. Seja como metáfora da vida, seja em sentido místico (para quem crê), a dor é sempre travessia. Diante de momentos limite em que a tentação é o desespero, que paralisa, YHWH (Adonai) indica a Moisés: “ordena ao povo que marche” Ex 14,15.

Para quem crê em Deus, na vida, ou na nação, a esperança não é o último dos males, a última que morre, residindo no fundo da Caixa de Pandora. Não, a esperança salva (Rm 8,24)! Até mesmo Nietzsche, em seu ferrenho ateísmo, provocando-nos a pensar o que podemos desenvolver em nós em tempos de catástrofes, como essa no Rio Grande do Sul, afirma: trazendo o caos dentro de si, dá-se à luz uma estrela dançante.

Nossa bandeira, nossa estrela não é vermelha. Aliás, ela é mais que verde e amarela esses tons em disputa, seja por representarem as casas reais de Bragança (verde) e de Rabi burgo (amarelo), seja por a gente nunca saber se vai vê-los com “patriotas” ou com a Madona. Nossa bandeira, nosso grande estandarte humano é o amor, a solidariedade, a esperança!

Estamos todos em luto, aflito, mas não sós. “Onde há o amor e a caridade: Deus aí está"...

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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.