Eliane Almeida, de 48 anos, vive a base de remédios desde que a única filha mulher morreu assassinada pelo marido. A operadora de caixa Ana Lúcia Moreira de Almeida Gomes, de 29 anos,
“Eu não consegui trabalhar até hoje. Estou fazendo tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial). O psiquiatra disse que minha depressão chegou em um nível muito alto, profundo”, desabafa Eliane.
Ana Lúcia era operadora de caixa do Avenida Supermercado. Segundo testemunhas, a jovem estava trabalhando na véspera de Natal - época do ano em que os supermercados ficam lotados. Ela deixou o caixa para ir ao banheiro e quando voltou, foi surpreendida por Jhoubert Roberto Gomes Martins, de 34 anos. Por não aceitar o fim do relacionamento, o homem disparou três tiros contra Ana Lúcia e depois atirou na própria cabeça.
A mãe da jovem conta que o casal estava junto há 15 anos e tinha duas filhas: uma de 13 e outra de 14. “As meninas estão fazendo acompanhamento psicológico também. A mais velha também está tomando remédio. Uma está morando com a avó paterna e a outra com um tio. Elas estão lidando melhor do que a gente que é adulto”, comentou Eliane.
Feminicídios saltam 7% em Minas Gerais
A operadora de caixa é uma das 183 mulheres vítimas de feminicídio em Minas Gerais e das 1.463 do Brasil, segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Publica, na quinta-feira (7).
Em Minas, o número de vítimas cresceu 7% em relação a 2022 - quando foram registrados 171 mortes. Para Oliveira, o crescimento do índice pode causar uma descrença na Justiça.
"[O aumento] gera uma descrença na lei, uma descrença nas instituições, além do aumento do medo e da insegurança. Precisamos implementar uma política de equidade de gênero para ser discutida nas escolas, ambientes acadêmicos, para desconstruir esses papeis de gênero na sociedade. A crença de que a mulher é inferior faz com que ela ainda seja vítima desse tipo de violência”, opina.
A defensora pública diz que considera essencial a prevenção ao crime. “O feminicídio é um crime fácil de ser julgado porque, normalmente, você tem muitas provas contra o autor. Mas ele é um crime difícil de ser prevenido. Um estudo mostra que a cada 10 vítimas de feminicídio, nove não tinham medida protetiva. Ou seja, a Lei Maria da Penha é eficaz, mas a aplicação dela ainda é falha. Falta a capacitação de agentes que atendem essas mulheres vítimas de violência para que elas se sintam acolhidas. Caso contrário, elas são desestimuladas a seguir em frente com a denúncia”, afirma.
Famílias de vítimas de feminicídio sofrem com dificuldades financeiras
Segundo a defensora pública da Defensoria Especializada nos Direitos das Mulheres Vítimas de Violência, Maria Cecília Oliveira, o impacto do feminicídio para quem fica vai muito além do luto e da dor. Ele também é financeiro, como no caso de Eliane, que precisou parar de trabalhar para conseguir lidar com a morte da filha.
“As famílias com órfãos de vítimas de feminicídio apresentam uma renda per capta menor que as que não tem. Isso se dá porque, geralmente, os filhos perdem a mãe e o pai, que se mata ou é preso, de uma vez. Essas crianças vão morar com os avós, tios e acabam somando nas despesas da casa”, explica.
A defensora ainda explica que os traumas de conviver em um ambiente violento e perder a mãe de forma trágica podem atrapalhar o desenvolvimento dos menores.
“A gente vê problemas em relação à auto estima dessa criança, um desenvolvimento de depressão e, até mesmo, a perpetuação da violência. Ela cresce achando que é normal esse comportamento, que a mulher deve ser tratada assim e pode acabar repetindo o ciclo da violência”, afirma.
Em novembro de 2023, o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.717, que garante uma pensão para órfãos de vítimas de feminicídio. A regra tem o objetivo de conter as dificuldades financeiras enfrentadas pelas famílias após o crime.
Tem direito ao benefício menores de 18 anos, filhos e dependentes de mulheres vítimas de feminicídio, em que renda mensal per capita não ultrapasse 1/4 do salário mínimo. Ou seja, a renda por pessoa não pode passar de R$ 330 mensalmente. Desde novembro, a pensão é concedida, mesmo que o feminicídio tenha ocorrido antes da publicação da Lei.
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