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Justiça aceita denúncia contra delegado que matou motorista; cena do crime teria sido alterada

Relatos contradizem versão de legítima defesa dada pelo policial

Testemunhas relatam que caminhão estava parado no momento do disparo

Testemunhas que presenciaram o delegado Rafael Horácio, da Polícia Civil de Minas Gerais, dando o disparo que matou o motorista de caminhão Anderson Cândido contradizem a versão de legítima defesa do policial e apontam que a cena do crime foi alterada.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou, nesta quinta-feira (11), que aceitou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o delegado, que teve a prisão temporária convertida em preventiva. “O contexto investigatório que serviu de base à peça acusatória, verifica-se justa causa para a propositura desta ação penal”. O sigilo do processo foi quebrado pela juíza Bárbara Heliodora Quaresma Bomfim, do 1º Tribunal do Júri.

O delegado estava em uma viatura descaracterizada na região do Complexo da Lagoinha, lado Oeste Belo Horizonte, e alegou que Anderson bateu no carro e tentou atropelá-lo após briga de trânsito. Uma das testemunhas relata outra situação:

“O motorista do carro vinho parou o carro, desembarcou, deu aproximadamente 3 (três) passos para o lado, olhou para o motorista, sacou uma arma, apontou e efetuou um único disparo em direção ao para-brisa do caminhão reboque preto que já estava parado tendo em vista que, o carro vinho já havia feito o caminhão frear totalmente quando obstruiu a sua passagem ao diminuir sua velocidade quando estava na frente do caminhão (…) Que o motorista quando teve seu caminhão obstruído parou imediatamente, que do jeito que o motorista parou o caminhão com as 2 mãos no volante, ele tomou tiro (…)”, contou.

A testemunha ainda foi questionada se Anderson acelerou o caminhão na direção do delegado ou ofereceu algum risco iminente ao policial. A resposta foi negativa.

Imagens da cena do crime também foram mostradas para as testemunhas. No dia do fato, o policial alegou que o caminhão tinha batido na viatura descaracterizada. “Comunica que, de acordo com essas fotos apresentadas, a cena do crime foi alterada, que durante o disparo o carro vinho estava praticamente colado no para-choque do caminhão reboque (...)”.

Outra testemunha também disse não ter visto colisão: “Quando o veículo escuro obstruiu a passagem do caminhão, o reboque parou muito próximo da traseira do veículo, porém a depoente não viu nenhuma colisão, toque ou abalroamento entre o carro escuro e o reboque”.

A pessoa que presenciou os fatos disse ainda ter ouvido uma conversa do delegado ao celular logo depois do disparo. “Disse que ficou (no local) apenas alguns minutos, pois o policial disse para (ilegível) que ele havia feito ‘merda’ e virou para o depoente e o mandou vazar dali. O depoente até quis gravar a cena na hora que estava lá. Mas os policiais conhecidos do atirador não deixaram. Que pelo fato desses policias mandarem ele vazar e não deixarem ele gravar Anderson sangrando no veículo, ficou com medo e retomou para o seu veículo.

Passagens

Na decisão, a juíza Bárbara Heliodora citou que o delegado já tem uma condenação por disparo de arma de fogo, além de 16 registros de infrações penais e administrativas na Corregedoria-Geral da Polícia Civil.

“A própria dinâmica delitiva aponta para a periculosidade do investigado dadas as preocupantes circunstâncias, a violência e a ostensividade em que a infração penal teria sido perpetrada, em que o investigado, delegado da Polícia Civil de Minas Gerais, desferiu um único e certeiro disparo contra o pescoço da vítima, que se encontrava no interior do caminhão. A prisão do investigado Rafael de Souza Horácio é imprescindível para a continuidade das investigações e cumprimento das diligências requeridas pelo Parquet, pois, em se tratando do possível envolvimento de agente da força policial que está em liberdade, não só poderão conturbar os trabalhos da polícia judiciária, prejudicando sobremaneira o bom andamento das investigações, além de intimidar as testemunhas do caso”, diz trecho da decisão.

Defesa

Procurada pela Itatiaia, a defesa do delegado disse que “continua acreditando na Justiça e buscará nela a solução para seus reclames. Contudo gostaria de pontuar que se sente incomodada com o fato da assessoria de imprensa do fórum ter noticiado os veículos de imprensa a decisão judicial que sequer ainda havia sido comunicada oficialmente no processo”.

Entenda o caso

Rafael Horácio foi indiciado por homicídio qualificado. Ele confessou ter atirado em Anderson Cândido Melo, que dirigia um caminhão reboque, após uma briga no trânsito. O delegado alega legítima defesa e atirou porque seria atropelado.

Ele foi preso em 30 de julho, quatro dias após o crime e está na Casa de Custódia da Polícia Civil.

O delegado pode ficar preso de 12 a 30 anos, em caso de condenação. O indiciamento ocorreu por motivo fútil e por meio que dificultou a defesa da vítima.

Linha do tempo

9/8 - Delegado passa por audiência de custódia e juíza decide que ele continuará preso

30/7 - Rafael Horácio se apresenta à polícia e é preso. Ele é indiciado por homicídio qualifica

28/7 - Parentes e amigos se despedem de motorista Anderson Cândido Melo

27/7 - Caminhões reboque fazem manifestação após morte

26/7 - Briga de trânsito terminou com Anderson Cândido Melo morto com um tiro no pescoço na avenida do Contorno, próximo ao viaduto Oeste, na região Central de Belo Horizonte.

O principal suspeito era o delegado do Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico da Polícia Civil (Denarc), Rafael Horácio.

*Colaborou Larissa Ricci

Jornalista formado pela Newton Paiva. É repórter da rádio Itatiaia desde 2013, com atuação em todas editorias. Atualmente, está na editoria de cidades.
Repórter policial e investigativo, apresentador do Itatiaia Patrulha.