Surdos, tamborins, repiques, cavaquinhos e pandeiros podem se misturar a gritos pelo direito de votar ou a histórias da vida política do Brasil? As escolas de samba dizem que sim. De Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, o Carnaval das passarelas tem a tradição de abordar enredos ligados à política.
Alguns sambas sobre o assunto, inclusive, caíram na boca do povo e rapidamente ganharam as paradas de sucesso. É o caso de “Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”, canção da Imperatriz Leopoldinense em 1989. A agremiação carioca tomou a Marquês de Sapucaí e se sagrou campeã do carnaval com um desfile a respeito do centenário da Proclamação da República.
Por causa da conexão entre Carnaval e política, a Itatiaia separou dez sambas de enredo que tratam de datas, períodos e personalidades ligados à vida política do Brasil.
- Imperatriz Leopoldinense 1989 - “Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”
“Liberdade, liberdade/ Abra as asas sobre nós/ E que a voz da igualdade/ Seja sempre a nossa voz”. Os versos, que viraram, inclusive, tema de abertura de novela, foram cantados pela Imperatriz Leopoldinense em 1989 para festejar os 100 anos da Proclamação da República.
Na avenida, a obra foi cantada por Dominguinhos do Estácio, sambista que, fora do mundo carnavalesco, conquistou o sucesso com músicas como “Gosto de Festa” e “Bom Ambiente”. O desfile sobre o início do período republicano deu o título daquele ano à Imperatriz.
- Império Serrano 1986 - “Eu quero”
Quando o Império Serrano pisou na avenida em 1986, o Brasil vivia a transição da ditadura para a democracia. E, após duas décadas de regime militar, a escola apresentou um samba de enredo baseado em um pedido: “Me dá, me dá/ Me dá o que é meu/ Foram vinte anos que alguém comeu”.
Assim, com esses versos, o Império Serrano apontou reflexões sobre os desejos dos brasileiros após os anos ditatoriais. Na letra, o regime militar é chamado, indiretamente, de “tempestade”, enquanto o sistema democrático é apontado como a “liberdade”.
Com o desfile, a escola alviverde ficou em 3° lugar no Grupo Especial. Foi um dos últimos bons resultados da história do Império, que, hoje, está na segunda divisão da folia.
- Unidos do Cabuçu 1990 - “Será que votei certo para presidente?”
Poucos dias antes da posse de Fernando Collor, o primeiro presidente democraticamente eleito do Brasil desde 1960, a Unidos do Cabuçu, pequena escola do Rio de Janeiro, fez um desfile que já questionava a escolha feita pela população nas urnas.
A dúvida, vale explicar, não se resumia apenas a Collor, uma vez que o enredo foi definido antes do ex-governador de Alagoas vencer a disputa. Qualquer outro candidato que fosse eleito seria alvo do verso “Eu votei, se votei certo só mesmo o tempo dirá”.
Apesar do tom questionador, o samba da Cabuçu tinha, também, lampejos de esperança: “Peço a Deus sinceramente/ Que ilumine o presidente”, dizia o refrão.
Em outros momentos, os compositores Afonsinho, João Anastácio, Walter da Ladeira e Carlinhos do Grajaú demonstraram incredulidade Vejam só/ A ironia do destino está presente/ Vejam só, parece mentira eu votei pra presidente”, cantava a Cabuçu, na abertura do samba de enredo.
- São Clemente 1991 - Já vi este filme
Em 1991, a São Clemente, do Rio, aproveitou um enredo que falava sobre coisas que comumente se repetiam na história do Brasil para criticar o governo Collor.
“Sem querer ser comandado, tinha um plano traçado/ Elegeu-se presidente/ Passaram os anos foi aberta a exceção/ Diretamente para as urnas o povão/ Cansado, confiscado, sem saber o que fazer”, dizia o samba em trecho com crítica ao confisco das poupanças determinado pelo governo federal da época.
- União da Ilha do Governador 2000 - Pra não dizer que não falei das flores
Aproveitando-se do título de uma canção de Geraldo Vandré, a União da Ilha do Governador resolveu apresentar um desfile com críticas à ditadura militar. Naquele ano, as escolas do Rio de Janeiro apostaram em um Carnaval temático e deveriam falar sobre temas ligados aos 500 anos do Brasil.
Com exaltação a ícones da resistência ao regime militar, como o jornal “O Pasquim”, a ideia era mostrar como a arte foi instrumento de defesa da democracia.
“Ninguém estava a salvo desta caçada - desde as personalidades mais respeitáveis, até o mais humilde cidadão. Os artistas continuaram através de suas obras a reagir contra a ditadura. Um grupo de artistas optou pelo deboche e pela ironia para enfatizar uma alienação dirigida (Movimento Tropicalista), outros, de forma mais contundente, denunciaram as ilegalidades”, escreveu o carnavalesco da escola, Mário Borriello, no texto de explicação do enredo.
- Portela 2000 - Trabalhadores do Brasil - A época de Getúlio Vargas
Naquele mesmo carnaval temático do desfile da União da Ilha, a Portela, tradicional escola carioca, contou a trajetória política de Getúlio Vargas, presidente do Brasil por quase vinte anos, em três períodos distintos. O samba de enredo chama o governo varguista de “época de ouro” e, apesar das controvérsias históricas a respeito do período, diz que a ditadura do Estado Novo foi “aclamada” pelo povo.
“Aclamado pelo povo, o “Estado Novo"/ Getúlio Vargas anunciou/ A despeito da censura/ Não existe mal sem cura/ Viva o trabalhador”, apontava a letra.
No texto de justificativa do enredo, o carnavalesco portelense, José Felix, dizia que Vargas foi “amado, odiado e encarado como grande estadista”.
“Não pretendemos enaltecer ou diminuir sua imagem. mostraremos o homem Getúlio Vargas, seu tempo, sua trajetória política, suas iniciativas sociais e econômicas. Recordaremos um tempo nem tão distante: a época de Getúlio Vargas, e façamos avaliações desse legado ao entrarmos em um novo século em que comemoramos os 500 anos do Brasil”, lê-se no material, escrito antes da virada de 1999 para 2000.
- Inocentes de Belford Roxo 2009 - “Do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro a Inocentes canta: Brizola, a voz do povo brasileiro”
Em 2009, a Inocentes de Belford Roxo, escola da Série B do Rio de Janeiro, resolveu falar sobre Leonel Brizola, fundador do PDT e um dos líderes políticos que se posicionaram contra a ditadura. O samba, uma espécie de biografia do trabalhista, o define como “rei do povo” e cita momentos como o exílio.
A letra tem, ainda, referências a políticas educacionais implantadas por Brizola no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, estados que governou.
- Leandro de Itaquera 2002 - Mário Covas, São Paulo, Brasil, Meu Orgulho, Meu Amor
Em 2002, a escola Leandro de Itaquera, de São Paulo, homenageou Mário Covas (PSDB), ex-governador paulista, que havia morrido um ano antes. O samba de enredo fazia um resumo da vida política do tucano.
Quatro anos depois, Covas voltou a aparecer em um desfile da Leandro de Itaquera, quando sua escultura apareceu ao lado de bonecos feitos para representar José Serra e Geraldo Alckmin, à época filiado ao PSDB.
- Unidos de Vila Isabel 2016 - “Memórias do ‘Pai Arraia’ - um sonho pernambucano, um legado brasileiro!”
Martinho da Vila, Mart’nália e Arlindo Cruz se juntaram para fazer um samba de enredo sobre Pernambuco, mas com menções a Miguel Arraes, ex-governador do estado e um dos ícones da história do PSB.
Com o apoio de André Diniz, Professor Wladimir e Leonel, da ala de compositores da escola, o trio de famosos montou uma letra em primeira pessoa, como se Arraes estivesse contando, ao ouvinte da música, os principais momentos de sua trajetória política, marcada por defesa da educação pública.
- Cidade Jardim - “Sem medo de ser feliz”
No ano passado, a Cidade Jardim, uma das mais tradicionais escolas de samba de Belo Horizonte, fez desfile sobre a trajetória de vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O samba foi composto por Fabinho do Terreiro e Pirulito da Vila, nomes famosos nas rodas de partido-alto da cidade.
Participe do canal da Itatiaia no Whatsapp e receba as principais notícias do dia direto no seu celular.