A criação de 80 vagas no curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para integrantes da Reforma Agrária causa polêmica entre estudantes, políticos e entidades da classe médica. A decisão ganhou ainda mais repercussão após um vereador do Recife (PE) afirmar, em um vídeo, que as vagas seriam destinadas a membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Nesta segunda-feira (22), o Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (CREMEPE) criticou, em nota, o processo seletivo realizado pela UFPE. “As entidades médicas de Pernambuco – Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, Sindicato dos Médicos de Pernambuco (SIMEPE), Associação Médica de Pernambuco (AMPE) e Academia Pernambucana de Medicina (APM) – vêm a público manifestar-se contrárias à forma como está sendo conduzido o processo seletivo para o curso de Medicina criado pelo PRONERA/UFPE, no Campus Caruaru, destinado exclusivamente a integrantes da Reforma Agrária”, diz trecho da nota.
Procurada pela Itatiaia, a UFPE se posicionou sobre a polêmica, confirmou a criação de 80 vagas no curso de Bacharelado em Medicina, a serem oferecidas pelo Centro Acadêmico do Agreste (CAA) para o segundo semestre letivo de 2025, em Caruaru, por meio do Programa Nacional de Educação para Áreas da Reforma Agrária (Pronera) – política pública instituída em 1998 que tem como objetivo promover a Educação do Campo para as populações das áreas de reforma agrária e territórios quilombolas.
“O Pronera, através do Termo de Execução Descentralizada nº 973484/2024, encaminhou à UFPE a proposta de criação de uma Turma Extra de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a ser ofertada por meio de vagas supranumerárias no âmbito do Pronera. A proposta foi aprovada em Conselho Superior da UFPE, através da Resolução nº 1, de 29 de julho de 2025, para a abertura de turma extra do curso de Medicina (Código e-MEC 1189778), do Centro Acadêmico do Agreste, com oferta única de 80 vagas no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária”, diz o texto, que reforça que se trata de uma turma extra, sem prejuízo para a distribuição regular de vagas da universidade, que já possui fluxo de funcionamento definido via SISU.
Constituição
Apesar da justificativa, o CRM destacou que a Constituição Federal, em seu artigo 206, assegura a isonomia e a igualdade de condições para o acesso às universidades públicas – princípio que deve nortear todas as formas de ingresso no ensino superior.
“Reconhecemos que há jurisprudência consolidada legitimando políticas afirmativas, desde que aplicadas de forma proporcional, equilibrada e transparente. Ressaltamos, contudo, que a criação de um processo seletivo exclusivo, paralelo ao sistema nacional, sem utilização do ENEM e do SISU como critérios de acesso, afronta os princípios da isonomia e do acesso universal, além de comprometer a credibilidade acadêmica e representar um precedente grave e perigoso para a educação médica no Brasil”.
Veja a nota da UFPE
Processo seletivo Pronera para formação de turma extra por meio de vagas supranumerárias no curso de Medicina da UFPE
O Pronera (Programa Nacional de Educação para Áreas da Reforma Agrária) é uma política pública de grande relevância, instituída em 1998, que tem como objetivo promover a Educação do Campo para as populações das áreas de reforma agrária e territórios quilombolas. O programa busca fortalecer esses espaços em suas dimensões econômica, social, educacional, política e cultural, sendo executado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O Pronera através do Termo de Execução Descentralizada nº 973484 /2024 – INCRA encaminhou à UFPE a proposta de criação de uma Turma Extra de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a ser ofertada, através de vagas supranumerárias, no âmbito do Pronera. A Proposta foi aprovada em Conselho Superior da UFPE, através da Resolução nº 1 de 29 de julho de 2025, para a abertura de turma extra do curso de Medicina (Código e-MEC 1189778), do Centro Acadêmico do Agreste, com oferta única de 80 (oitenta) vagas, no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
O processo seletivo em questão, regido pelo Edital Nº 31/2025 da Prograd/UFPE, foi criado para ofertar uma turma extra de 80 (oitenta) vagas no curso de Bacharelado em Medicina, a serem oferecidas pelo Centro Acadêmico do Agreste (CAA) para o segundo semestre letivo de 2025, em Caruaru.
É fundamental ressaltar que essas vagas são específicas de uma Turma Extra que foi criada exclusivamente para esse fim, dentro da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial prevista no Artigo 207 da Constituição federal e não afetam as vagas já oferecidas regularmente pela UFPE por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A criação desta turma especial não interfere na distribuição regular de vagas da universidade que já existe fluxo de funcionamento definido na instituição via SISU.
Em relação a esse aspecto, a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB) reforça no Art. 53 que as universidades podem “I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior; II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; IV - fixar o número de vagas oferecidas em cada curso, conforme a capacidade institucional.”. Assim, a LDB reforça a autonomia universitária para definir o número de vagas, incluindo a abertura de vagas supranumerárias, especialmente quando destinadas a políticas públicas específicas.
Ainda, o MEC, por meio de notas técnicas e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), também reconhece a legitimidade da criação de vagas supranumerárias, especialmente quando associadas a políticas afirmativas e inclusão social, tal como o Parecer CNE/CES nº 79/2009 que trata da possibilidade de programas especiais de inclusão e a Portaria MEC nº 1.509/2018 que instituiu o Programa de Acesso à Educação Técnica e Superior para refugiados e portadores de visto humanitário, incentivando as IFES a abrirem vagas supranumerárias.
Público-Alvo e Requisitos de Participação
Diferentemente do processo seletivo regular realizado via SISU, o Edital Nº 31/2025 da Prograd/UFPE é direcionado exclusivamente a um público-alvo específico, conforme o Decreto Nº 7.352 de 2010. Trata-se, portanto, de vagas supranumerárias que vão além das vagas previstas regularmente para o curso e que podem ser ofertadas de forma pontual para esse fim.
Somente podem participar do certame:
- Jovens e adultos de famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que residem em projetos de assentamentos reconhecidos pelo Incra.
- Jovens e adultos de famílias beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC).
- Educadores que atuam em atividades voltadas às famílias beneficiárias.
- Pessoas egressas de cursos de especialização promovidos pelo Incra.
- Pessoas acampadas cadastradas pelo Incra e quilombolas.
É imperativo que os candidatos tenham concluído o Ensino Médio antes de sua inscrição e que apresentem a documentação obrigatória que comprove seu vínculo com o Programa. No momento de avaliação do candidato, são utilizados os critérios expostos no item 9 do Edital, em duas etapas:
Inscrição e Validação de Beneficiário (Etapa Eliminatória): A comissão do Incra analisa a documentação enviada para confirmar se o candidato se enquadra no público-alvo do Pronera. A falta de comprovação ou a apresentação de documentos falsos resulta na eliminação imediata do candidato.
Avaliações (Etapa Eliminatória e Classificatória): Esta fase consiste em duas avaliações com pesos definidos:
Prova Presencial de Redação em Língua Portuguesa, em conformidade com o que estabelece a Portaria MEC 391/2000: Com peso 6, a redação dissertativo-argumentativa é avaliada com base em critérios objetivos de correção, como adequação ao tema, organização das ideias, domínio da norma culta da Língua Portuguesa e vocabulário apropriado. A nota mínima para não ser eliminado é 5,0 de um total de 10,0.
Avaliação do Histórico Escolar do Ensino Médio: Com peso 4, a análise é feita a partir das notas de Língua Portuguesa, Biologia e Química do 1º, 2º e 3º anos. O cálculo é uma média aritmética simples dessas notas, que é então multiplicada pelo peso.
É essencial destacar que a avaliação mencionada já é adotada em outros vestibulares da UFPE cujo público é específico e destinado a políticas públicas peculiares, como o Vestibular Quilombola e o Intercultural Indígena.
A UFPE reitera a lisura e a transparência do processo, destacando que segue rigorosamente as normativas do Programa e da legislação educacional vigente. Ainda, ressalta que, através de recursos oriundos do Incra, esse processo seletivo possibilita a parceria da UFPE com o Pronera a fim de que ambas as instituições continuem comprometidas com a inclusão e com a democratização do acesso ao ensino superior, na garantia de um processo seletivo justo e transparente para todos/as os/as candidatos/as.